Gente

Vídeo: José Pedro Gomes sente-se "desasado" por estar em palco sem António Feio

José Pedro Gomes está em palco, sozinho, com uma peça encenada por António Feio. Leia aqui uma conversa do Expresso com os dois e veja o vídeo com a apresentação da peça "Vai-se andando".

Alexandra Simões de Abreu (www.expresso.pt)

Estreou esta semana no Auditório dos Oceanos, no Casino Lisboa, o monólogo "Vai-se Andando", onde durante pouco mais de uma hora José Pedro Gomes faz um retrato do quotidiano dos portugueses e de algumas das suas características, tentando perceber o que faz de nós um povo tão especial.

Quem escolheu o título "Vai-se Andando" e porquê? António Feio - Por acaso o título é meu. Foi uma das sugestões. No início, quando se pensou neste espectáculo, era para se chamar "Os Portugueses". Mas achei que não seria um título tão interessante como o "Vai-se Andando", que é típico do português. Quando me perguntam como é que está, respondo "vai-se andando", quer esteja na maior das alegrias, ou na maior das tristezas, ou naquela pasmaceira que às vezes é a nossa vida e, olha, "vai-se andando".

Quando é que a peça começou a ser idealizada? A.F. - No início da digressão da "Conversa da Treta" começámos logo a pensar no que íamos fazer a seguir. Mas tivemos algumas limitações, por causa dos meus problemas de saúde. Tínhamos mais uma coisa na manga, era uma peça para os dois, mas pessoalmente tive receio de agora não estar em condições de poder estrear. Não sabia como iriam correr os tratamentos, se iria ser operado ou não, e, portanto, esta foi a solução mais realista para o futuro. E optámos por fazer este espectáculo com o José Pedro sozinho. Se eventualmente eu não estivesse em condições de o encenar, seria encenado por um outro colega.

O António como encenador é muito chato? José Pedro Gomes - Nada.

Aceitou tudo o que ele propôs? J.P.G. - Eu tenho de concordar com o que ele pensa, é ele quem está a dirigir. Quanto mais não seja por uma questão de disciplina. E é preciso porque temos de ser eficazes, por um lado, mas por outro tenho inteira confiança nas coisas que ele me diz. Às vezes não consigo é chegar logo àquilo que ele me pede.

É muito difícil encená-lo? A.F. - Não. Ele é um óptimo actor e qualquer coisa que se peça ele arranja logo maneira de o fazer.

Quanto tempo tiveram para ensaiar? J.P.G. - Dois meses. É muito pouco. Se mostrássemos os textos em papel iam ver o que cortámos e acrescentámos. Foi um trabalho a meias, a treias e a poleias (risos). Nós os dois, a Sónia Aragão e a Isabel Simões.

Os textos foram pedidos apenas a estes autores que escrevem a peça? A.F. - Não. Tenho pena que alguns não tenham correspondido à nossa solicitação, casos do Miguel Sousa Tavares, do António Barreto, da Ana Bola, mas não tinham tempo, porque já tinham outros compromissos. Os textos foram pedidos um bocado antes das férias. Houve um texto que ficou de fora, o do Alberto Gonçalves. Por questões de tamanho, mas também porque fugia um bocadinho a esta forma teatral. É um texto mais para ser lido do que para ser representado.

Como é que fez a ligação dos textos? A.F. - Há sempre uma preocupação no espectáculo, a de que ele não tenha quebras. Quando se trabalha com o humor, é natural que não se consiga que o espectáculo esteja sempre lá em cima, seja sempre de gargalhada. Aqui, a preocupação foi criar uma espécie de rampa de lançamento para o final. Isto é, não deixar que o espectáculo morra nem a meio, nem a três quartos.

De entre as características dos portugueses que são caricaturizadas na peça, com qual se identificam mais? A.F. - Todos nós já tivemos algumas atitudes que aqui são enumeradas e criticadas de uma forma divertida. Mas aquela que é comum a toda a gente, com que toda a gente se identifica e em que toda a gente cai, é o tempo. O tempo é o tema mais importante da conversa quando não há mais tema nenhum. Todos nós falamos "ontem à noite estava uma noite maravilhosa", "Ah, pois, mas hoje está fresco" e ficamos em pescadinha a comparar o ontem com o hoje e a dizer "oxalá amanhã esteja bom tempo para ir para a praia" e... É uma coisa que se formos a ver é uma estupidez, mas em que todos nós caímos. J.P.G. - Eu não digo com quais me identifico mais (risos). Às vezes dou por mim a, cinco minutos depois de ter criticado uma coisa, estar a fazer essa coisa.

Qual foi o texto mais difícil de decorar ou de entrar na personagem? J.P.G. - O do Nuno Artur Silva, que é logo o primeiro, para mim não está resolvido. Mas isto é um espectáculo que não está acabado. Como se diz em português é um working in progress. Nós, à partida, dissemos aos autores que escrevessem o que lhes apetecesse sobre os portugueses. Chegámos a pedir que, se tivessem alguma ideia sobre o positivo do português... Não tiveram nenhuma. É sintomático.

Mas há coisas positivas... J.P.G. - Há... (risos) o queijo da Serra, o vinho da Bairrada.

O facto de sermos um povo desenrascado não é positivo? É, mas como último recurso. O problema é que se desenrasca vezes demais.

O teatro que fazem é político? J.P.G. - É. Há muitos anos que andamos a fazer teatro político em vários sentidos da política. Começamos por fazer a politica de trazer o maior número possível de pessoas ao teatro e tentamos contribuir também para que as pessoas sejam melhores. A.F. - De alguma forma sentimos que intervimos sobre a vida e a sociedade portuguesa. Não é só encher salas e divertir as pessoas, mas queremos que elas também saiam daqui a pensar sobre um determinado tipo de coisas.

Como surgiu a ideia do galo de Barcelos, que no fundo aparece quase como segundo personagem? A.F. - Tinha colocado a hipótese de ter um símbolo português em palco e acabámos por escolher o galo de Barcelos. O facto de ser insuflável satisfez-me, porque é diferente e nunca tinha trabalhado com insufláveis, o que me estimulou. É bom, porque esvazia-se e vai numa caixinha pequenina como se fosse uma bola de praia, o que facilita, já que queremos partir em digressão com a peça.

O que pensou quando falaram na hipótese de ter um galo ao seu lado no palco? J.P.G. - Desmanchei-me a rir. Achei uma ideia óptima. Foi uma das grandes ideias deste espectáculo, porque é um grande símbolo português e uma grande companhia, já que de vez em quando falo com ele e ele comigo.

Esta peça tem muito a ver com o trabalho que têm realizado nos últimos anos. O que tem a dizer para convencer os portugueses a vir vê-lo ao Casino Lisboa? J.P.G. - Há o galo (risos). Este galo fala, intervém no espectáculo, é maleável e há vídeos e música do Alexandre Manaia, que é extraordinário. É isso. Se as pessoas quiserem rir-se delas próprias, venham cá.

Os portugueses têm capacidade de rir deles próprios? J.P.G. - Têm. E posso garantir isso por experiência própria, porque senão já tinha sido morto.

Como é voltar ao palco sem o António Feio? Sente-se desasado? J.P.G. - Sinto-me. Mas não é só voltar sem ele, estar com ele é muito bom, mas estar sozinho é estar mesmo desasado.

Sente mais frio na barriga? J.P.G. - (risos) Frio na barriga, frio nos intestinos, principalmente nos intestinos.

Ainda acalentam o sonho de subir ao palco juntos? Claro. Não sabemos é quando.

É possível fazerem outro "Filme da Treta"? J.P.G. - Era para termos feito este ano, já há argumento e tudo, mas a doença do António meteu-se pelo meio.

É supersticioso? J.P.G. - Não! (bate na madeira). Não acho que seja supersticioso, acho é que criamos rituais. Há coisas que acontecem e depois queremos que se repita sempre e por isso fazemos certas coisas da mesma maneira, não sei dizer o quê. E faço muitos chichis até à última gota, para depois estar disponível.

Apesar de tudo, o povo português é um bom povo, somos boas pessoas? J.P.G. - Acho que sim, temos é muitos defeitos. E, portanto, chateia-me.

(Texto publicado na Revista Única da edição do Expresso de 31 de Outubro de 2009)