Já imaginou o mais
britânico dos
namorados a saltar para cima de um cavalo no meio da poeira. É isso que acontece no filme
"Did You Hear About the Morgans?", que chega agora às salas nacionais. Em entrevista ao Expresso,
Hugh Grant, fala de
namoros,
armas e
crianças.
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Rui Henriques Coimbra, em Los Angeles (www.expresso.pt)
Talvez seja fácil imaginar o actor Hugh Grant no velho oeste americano. Se uma pessoa tiver mesmo uma imaginação descontrolada, sim, é fácil imaginar o mais britânico dos namorados a saltar para cima de um cavalo no meio da poeira. De jeans, cinto de rodeo e botas bicudas. Com camisa aos quadrados. Debaixo de um enorme chapéu de vaqueiro. E nunca, nunca tendo acesso aos casacos Saville Row ou a um bom gin tonic servido com classe.
Mas, no último filme dele que chega agora aos cinemas nacionais, Did You Hear About the Morgans?, é isso que acontece: Hugh Grant alia-se a outra criatura metropolitana por excelência, Sarah Jessica Parker, e vãos os dois numa corrida assustadora procurar refúgio no Wyoming depois de, na Manhattan onde eles trabalhavam com tanto sucesso, terem assistido por acaso a um homicídio.
Agora, o única refúgio possível é oferecido pelo serviço federal de protecção às testemunhas. Agora, a única solução é eles irem para bem longe, para lá do sol-posto, onde as vacas e os ursos e os tiros de caçadeira provocam saudades da vida suave e sofisticada que levaram na grande cidade. Uma comédia leve que apresenta o nosso querido Mr. Grant no seu comportamento habitual: peixito fora de água sofrendo um caso agudo de timidez paralisante. O actor falou destas e outras cowboiadas quando nos vimos em Los Angeles. A risota foi uma constante. Já alguma vez se tinha atrevido a subir para o dorso de um cavalo? Sim. Não vou dizer que sou bom. Diria que não sou completamente ignorante. Já andei a cavalo muitas vezes. Ainda bem que as pessoas não se lembram mas, no início da minha carreira, antes do 4 Casamentos e Um Funeral, quando eu andava a fazer filmes para televisão absolutamente horrendos e baseados em romances da Barbara Cartland, entrei numa coisa chamada The Lady and the Highwayman. Acho que o livro original tinha por título Cupid Rides Pillion. Era sobre uma mulher que cai de amores por um tipo perigoso sem eira nem beira, e, pois, lá tive eu que montar a cavalo e andar de um lado para o outro. Sempre de peruca. Portanto, andar a cavalo é coisa que sei fazer mais ou menos bem. E também sei disparar armas de fogo. Venho de uma família cheia de militares. Alem disso, o meu avô, na Escócia, obrigava-me, quando eu era apenas um miúdo, a fazer tiro ao alvo. Os alvos eram sempre figuras politicamente incorrectas. Mas o melhor é mesmo deixar a coisa por aqui.
Hugh Grant diz gostar de improvisar
AP
Não, assim não pode ser. Vá lá. Eram alemães. É difícil acreditar mas é verdade. Eram figuras de alemães nas quais ele pespegava umas caixinhas de comprimidos cheias de sangue, verdadeiro ou falso. Dependia. O objectivo era acertar no nariz. Se eu conseguisse acertar no nariz a cara toda ficava a escorrer de sangue. Foi assim que fui educado. A disparar contra alemães.
Como é que prepara a sua parte do diálogo? Pergunto isto porque o seu trabalho exibe sempre esta maravilha: consegue ter imensa piada embora o Hugh se esforce, quase, por não ser engraçado. É um humor que surpreende pela imensa modéstia. E a comédia física, da cara ao corpo desconfortável, é outro assinatura sua. Quando olha para uma frase sabe logo como é que a vai dizer? Quando leio a frase gosto de a ouvir. Se for escrita da maneira que mais gosto, a minha leitura vem munida de som mental. Consigo ouvir a frase. E sai sempre tudo melhor quando não há tempo para grandes ensaios. Se a cena tem de ser repetida, então já sei que o primeiro take é aquele que mais me satisfaz. O segundo já não é tão bom, o terceiro é pior, e por aí adiante ao longo dos meses de produção. Não sei se viu o Two Weeks Notice que fiz com a Sandra Bullock. Há nele uma cena em que ela me mostra o apartamento pequenino em que os pais viviam. Essa é uma das poucas cenas que sempre me satisfizeram. É importante não remoer excessivamente nas frases que têm de ser ditas. E também gosto de improvisar. O Marc Lawrence, realizador com quem já trabalhei várias vezes, nunca deixa de filmar assim que eu termino de dizer o que estava no guião. Deixa a câmara ligada por mais dois minutos, porque é geralmente nesses momentos que me saem umas graças aproveitáveis. Neste filme uma das coisas boas foi trabalhar com a Sarah Jessica Parker, de quem passei a gostar imenso. Podia improvisar sem medo de errar. Havia vezes em que tentava e, depois, só podia dizer "Patético. Esta saiu mesmo mal!". Sem medo. É importante tentar coisas novas, que tenham ar fresco e espontâneo. Não há nada que a câmara mais goste. De todas as coisas do mundo, aquilo que a câmara mais adora é a frescura solta da novidade.
Os dois actores são inseparáveis neste filme
EPA
Este filme tem uma cena muito interessante, em que o Hugh diz que gostaria de ser pai, e que daria um pai formidável. Já pensou se seria bom pai caso decidisse ir por aí? Não tenho dúvida nenhuma que seria um pai maravilhoso. Talvez não assim tão maravilhoso quando as crianças fossem ainda muito minúsculas, mas por acaso até tenho reparado no enorme carinho, e ternura, que mantenho com os meus sobrinhos e sobrinhas. Acho que estou a ficar mesmo bom nisso.
Não tem medo de ficar sozinho? É importante termos á disposição uma rede belíssima de amigos de maneira a que, na altura da Páscoa, não haja crise logo que toda a gente começar a debandar para ir ter com a família. É uma vida longa e cheia de tristeza. Pois, a solidão. Para mim é uma batalha. É preciso trabalhar muito, diariamente, para a evitar.
Gosto muito daquela parte em que eles ficam mesmo deprimidos só porque terão de viver sem o telemóvel. É como se estivessem a cortar uma perna! Mas é mesmo assim! Eu, como toda a gente, dou comigo totalmente dependente do telemóvel. Aliás, há um momento atrás, estava eu e a ouvir a pergunta e senti o meu telemóvel a vibrar-me no bolso. Ainda pensei se devia atender ou não. O mais triste disto tudo é que nem sequer tenho o meu telemóvel comigo. A coisa é tão grave que, agora, trago no bolso das calças, aparentemente, um telefone fantasma. Mesmo sem telefone a minha coxa fica aos tremeliques. Não acha estranho?
Pelo menos. Ia mesmo recomendar uma sessão com o terapeuta. E também notei que os únicos momentos em que consigo fazer alguma coisa de concreto é quando estou no avião. Literalmente no céu. Só então é que consigo concentrar-me e pôr algumas coisas em ordem. Só num sítio em que o telemóvel não funciona é que consigo pensar. De repente fico incrivelmente lúcido.
O eterno namorado britânico faz 50 anos
AP
Mas sempre foi assim ou agora é pior devido aos avanços tecnológicos? Não. A situação tem-se agravado. Bastante. Acho que, actualmente, só consigo concentrar-me durante 4 segundos. Aliás, já estou aborrecidíssimo com esta pergunta. Deixe lá, estou a brincar.
Porque é que não tem aparecido ao longo destes 2 anos? Imaginei que estivesse entediado com a vida ou, pelo menos, com a ideia de fazer mais uma comédia romântica. Porque é que resolveu sair do seu casulo? E, já agora, que fez durante 2 anos? Meu Deus. Gostaria imenso de dizer que andei a fazer alguma coisa cheia de mérito. Mas não foi o caso. Para dizer a verdade, acho que não fiz absolutamente nada durante 2 anos. Na minha cabeça tenho a ideia que fiz alguma coisa mas, se for a ver bem, acho que não fiz. Teoricamente, o tempo foi ocupado a tentar acabar um livro que estou a escrever, mas de certeza que, entretanto, fui atraído por toda uma série de prazeres. Depois apareceu este filme. O Marc já tinha escrito o guião há algum tempo e eu, secretamente, tinha esperanças de que o filme nunca fosse feito. Mas ele mandou-me outra cópia modificada do texto e, sinceramente, achei que tinha tanta graça que decidi mesmo que era minha obrigação regressar ao cinema. Até porque não é bem uma comédia romântica. Não há aqui dois jovens que se conhecem e ficam logo apaixonados. Há duas pessoas casadas uma com a outra. Achei que era um passo em frente, em direcção à maturidade.
Ou seja, já deixou de ter medo. Julgo ter lido há tempos que a sua relutância em fazer mais filmes estava relacionada com um grande medo. Olhe, agradeço ter-me lembrado isso porque, realmente, já me tinha esquecido do medo. Por acaso não quer sentar-se onde estou eu, para ser entrevistado? Mas é verdade. Medo de aparecer em cena. Tem razão. Depois do Music and Lyrics, que fiz antes deste filme, colei muitos post it no meu computador com as palavras "Não aceites mais filmes". Tudo por causa dos 4 ou 5 ataques de pânico durante as filmagens. Para lhe ser franco, passei aquele filme todo encharcado em Lorazepan.
Vejo que está melhor, se emerge uma vez mais. Já depois de aceitar fazer este filme dei comigo a ter mais uns ataques. Só pensava: ai meu Deus, e se eu tiver outra vez medo de aparecer em cena? Fui logo marcar consulta com variadíssimos psicanalistas, em Londres. Fui falar com eles todos. Receitaram-me os tratamentos todos. Houve um que me tentou hipnotizar com uma peça balouçada em frente dos meus olhos. Houve outro que me espetou uma coisa qualquer no braço. Não houve nada que desse o mínimo resultado. Minto. Houve um que me disse que a adrenalina estava na origem dos ataques. Excesso de adrenalina, algo perfeitamente natural. Disse que a adrenalina é uma substância óptima para o cinema, mas que eu tinha adrenalina a mais. Disse-me que eu devia era respirar fundo de modo a acalmar o fluxo excitante apenas uma pequena fracção. Só saber isso já ajudou. E acho que, com o novo filme, não me saí nada mal.
Já que estamos a falar de psicanálise, não referiu há dias que sofria de love avoidance? Essa é a minha análise. Nunca um médico me diagnosticou com essas palavras. O que eu disse foi que sou o indivíduo típico, que gosta de atrair as outras pessoas mas que se sente, de repente, claustrofóbico com a atenção com que se vê rodeado. Acho que muita gente é assim. Queremos os outros perto mas não demasiado perto.
E também está a fazer trabalho clínico nesse sentido? Não, de todo. Não tomo comprimidos para combater tais sintomas. Para lhe dizer a verdade, toda esta coisa da psicanálise tem uma utilidade limitada. Ajuda a reconhecer os sintomas e, nesse sentido, talvez ajude a atacar o problema. Mas nunca conheci ninguém que, depois de ir psiquiatra, tenha saído de lá mais feliz ou mais bom da cabeça ou mais estável.
Vai fazer 50 anos em 2010. Confesse que passou a comprar cremes para as rugas. Não sou pessoa para isso. Mas passei a fazer pilates, para ficar mais jovem. Vou a um ginásio em Londres onde só há meninas todas giras e jovens e, a um canto, um velho chateadíssimo por ter de estar ali. Eu. A fumegar de raiva. Incapaz de fazer a maioria dos exercícios. Mas ao menos tento. Ando incomodado com o facto.