Coronavírus

Restrições por sector, autotestes gratuitos, uma nova linha vermelha: o longo guião dos peritos para as medidas desta quinta-feira

Em antecipação às medidas previstas para o Conselho de Ministros de quinta-feira, os peritos do Infarmed propõem um conjunto de recomendações para uma fase diferente da pandemia. Autotestes gratuitos, menor sobrecarga sobre os médicos de família e de saúde pública, e regras para diferentes setores, caso Portugal entre em “sinal de alerta” — estas são algumas propostas que o Governo poderá abraçar na quinta-feira

Na reunião do Infarmed, esta quarta-feira de manhã, uma das especialistas que tem aconselhado o Governo na gestão da pandemia deixou algumas pistas para possíveis medidas que podem ser adotadas amanhã, no Conselho de Ministros. A pneumologista Raquel Duarte especificou e propôs várias regras a implementar em alguns sectores, do trabalho à restauração, assim que Portugal entrar em “sinal de alerta”.

Este sinal deve ter em conta a taxa de internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI), a uma média de cinco dias, e a tendência de crescimento do R(t), o índice de transmissibilidade. Ora, tendo como referência a linha vermelha de 255 internamentos em UCI, a equipa de Raquel Duarte propõe que sejam apertadas algumas medidas, assim que for atingida a fasquia dos 70% dessa linha (ou seja, 179 internamentos) e assim que o R(t) for superior a 1. Vamos por partes.

Trabalho

No campo da atividade laboral, a equipa da especialista propõe, em caso de agravamento, o teletrabalho sempre que possível, bem como a promoção da testagem regular dos funcionários que não possam trabalhar remotamente e de horários desfasados.

Restauração

A lotação dos espaços deve ser reduzida, “com um máximo de pessoas à volta da mesa”, indica Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Em caso de existência de esplanadas, privilegiar fazer refeições nesses espaços.

Espetáculos e convívios

Nos espetáculos é proposta a redução da lotação dos espaços para 75%. Já em caso de convívios familiares, não deverão juntar-se mais de dez pessoas, aconselha a perita, também da Administração Regional de Saúde do Norte.

Transportes públicos

Também nos transportes públicos, é indicada uma redução de 75% da lotação e, no caso dos táxis e de TVDE (transporte de passageiros em veículos descaraterizados), a utilização apenas dos bancos traseiros.

“Medidas transversais” e outras recomendações

A especialista deixou ainda uma longa lista de “medidas transversais”, que devem ser cumpridas independentemente do sinal de alerta. Nomeadamente estas: manter a aceleração do reforço da vacina, ventilar os espaços fechados, utilizar o certificado digital de vacinação ou o teste negativo nos espaços públicos, promover a autoavaliação de risco, realizar autotestes por rotina, manter a distância, higienizar frequentemente superfícies e as mãos, evitar aglomerações e, finalmente, não consumir bebidas alcoólicas na via pública.

A equipa de Raquel Duarte deu ainda outras recomendações a seguir nos lares, atividades e eventos desportivos, e viagens. Em primeiro lugar, nas unidades residenciais para idosos, é proposta a testagem regular dos funcionários e das visitas, a aposta no uso do certificado digital para os utentes, a identificação do risco de acordo com o grupo etário, promovendo as medidas de prevenção individual e, por último, a promoção das regras de controlo da infeção.

Quanto ao desporto e eventos, é reforçado ser preferível que as atividades desportivas sejam realizadas no exterior. Já nos eventos, aponta para a necessidade de serem “controlados” e de existirem “circuitos de circulação bem definidos”, para garantir que as medidas de saúde pública são efetivamente implementadas. 

Em terceiro e último lugar, referindo-se às viagens, Raquel Duarte diz que “devemos ter cuidado” e evitar viajar para destinos de “alto risco”. Aconselha também o cumprimento do regulamento sanitário internacional, “mantendo a avaliação de risco sempre presente no nosso quotidiano”. 

Apostar na “autogestão do risco” e tornar autotestes gratuitos

Face a esta nova fase da pandemia, a também investigadora do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar aconselha uma maior autonomia da população, através do que chama de “autogestão do risco”. É importante “garantir que a população perceba bem como avalia o risco e o que fazer perante o risco”, explica. Assim, defende que é preciso tornar os autotestes gratuitos e acessíveis, “sem esquecer as populações marginalizadas”, promover a certificação dos autotestes com validação presencial ou remota de um profissional de saúde, e “capacitar a população em relação ao que fazer face um teste positivo”.

Na sequência desta capacitação e maior autonomia da população, é necessário diminuir a sobrecarga dos médicos de saúde pública e dos médicos de família. Para isso, propõe “incentivar a participação ativa no inquérito epidemiológico por parte do indivíduo, por via digital”, com a enumeração dos seus contactos de risco.

Já os médicos de família deverão ficar mais libertos para atenderem aos doentes covid e não covid, “reduzindo a carga do trace covid na sua atividade, focando-a nos indivíduos de maior risco para a covid-19”, sem esquecer, no entanto, que todos consigam ter acesso rápido e célere ao médico perante sinais de agravamento. 

Não há razão “para continuarmos a raciocinar em termos de número de casos”, diz Henrique Barros

Esta última recomendação é também acompanhada pelo professor catedrático de epidemiologia Henrique Barros, igualmente ouvido na reunião do Infarmed desta quarta-feira. O presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto acredita serem desnecessárias as medidas atuais “que colocam tanta gente em casa”. Do ponto de vista social, há que arranjar uma solução “mais eficiente” de isolamento e quarentena.

Para a comunicação da pandemia, diz já não haver razão “para continuarmos a raciocinar em termos de número de casos” perante esta dissociação entre o número de infeções e os casos de doença e entre estes últimos e os casos de doença grave.

Isto acontece sobretudo pela diferença anatómica da variante Ómicron, bem como do método pelo qual nos afeta. De acordo com uma investigação realizada em Hong Kong, a Ómicron é capaz de se multiplicar cerca de 70 vezes mais rápido nas células das vias superiores [nariz, garganta e traqueia], mas cerca de 10 vezes menos rapidamente nas células do pulmão. “Isto justifica a maior transmissibilidade desta variante e, por outro lado, a sua menor severidade”, assume João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde (INSA).

Daqui para a frente, se é “inequívoco” e obrigatório continuarmos a controlar a pandemia através da vacina, “incertezas também as vivemos”, garante Henrique Barros. Perante o desconhecimento do impacto desta variante, Ómicron, nas pessoas incapazes de gerar imunidade, é imprudente “deixar a infeção espalhar-se naturalmente”, defende.

Texto: Mara Tribuna e Joana Ascensão