Coronavírus

Covid-19: afinal, já estamos mesmo a viver em endemia? “É difícil achar isso com uma duplicação dos casos a cada semana”

Em declarações ao Expresso, o epidemiologista Ricardo Mexia distingue claramente os conceitos de epidemia, pandemia e endemia. E é claro no diagnóstico ao cenário atual: “não corresponde tipicamente ao comportamento de uma doença endémica, em que há uma estabilização dos indicadores”. Mas o que irá mudar quando a endemia chegar? “Continuar a testar para procurar a doença em pessoas assintomáticas e saudáveis talvez deixe de fazer sentido”, mas a utilização da máscara “poderá manter-se para alguns grupos populacionais”

Em Portugal (e não só), começa a tornar-se comum a tese de que a crise sanitária está já a entrar numa nova etapa: a fase endémica. No país, a cobertura vacinal contra a covid-19 ronda os 90%, num momento em que se tornou dominante a variante Ómicron, caracterizada por uma transmissibilidade muito maior mas também por uma severidade menor do que anteriores estirpes, como a Delta.

Marcelo Rebelo de Sousa frisou na sexta-feira que “a pandemia está aí ainda, mas já passámos à endemia”. Esta terça-feira, o secretário de Estado Lacerda Sales também considerou que Portugal está a passar à fase endémica. Pedro Simas, em entrevista à CNN Portugal, afirmou que, atualmente, a covid-19 tem “risco nulo em Portugal” e que o país está na “melhor situação possível”. O virologista acredita que “é o fim da pandemia” e “a entrada inequívoca em endemia”. 

Então, afinal, o que é a fase endémica? Já estamos em endemia? O que vai mudar na vida das pessoas? Será necessário continuar a testar massivamente? A máscara vai, finalmente, cair? Estas foram algumas das perguntas que o Expresso colocou a Ricardo Mexia, epidemiologista e presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. 

Antes de mais, é importante distinguir os conceitos de epidemia, pandemia e endemia.

De acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde, epidemia corresponde à disseminação de uma doença desconhecida numa região específica, num grande número de pessoas e para a qual o organismo humano ainda não tem uma resposta imunológica eficaz. A epidemia, “na prática, é um aumento do número de casos, pode ter ou não sazonalidade, e muitas vezes é associada a um surto com uma magnitude maior”, nota Ricardo Mexia.

Uma pandemia é decretada quando ocorre a proliferação galopante de uma epidemia, capaz de afetar toda a população. “Tem a ver com a existência de uma epidemia que acontece em mais do que duas regiões da Organização Mundial da Saúde”, sintetiza o epidemiologista e médico de saúde pública. Ou seja, pode ser determinada quando a doença se espalha em diferentes regiões ao mesmo tempo e já está presente em mais do que dois continentes. Em relação à covid-19, a OMS mudou a classificação de epidemia para pandemia a 11 de março de 2020, não tanto pela gravidade da doença, mas pela rápida transmissibilidade do vírus em mais de 160 países.

Por sua vez, uma endemia refere-se a uma doença que está presente a tempo inteiro, durante anos, e afeta permanentemente a população. “É algo que é intrínseco à comunidade onde circula e é habitual haver já uma determinada incidência”, clarifica Ricardo Mexia. “Uma doença, sendo endémica, verifica-se regularmente naquela população, o que não quer dizer que seja normal”, ressalva o especialista. “Quando se diz que a malária é endémica, não estamos com isso a criar uma normalidade”, diz o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.

Questionado sobre se a covid-19 estará ou não perto de se tornar endémica, Ricardo Mexia considera que “é difícil” achar que se está numa fase endémica “com uma duplicação dos casos a cada semana”. Isso “não corresponde tipicamente ao comportamento de uma doença endémica, em que há uma estabilização dos indicadores”, observa o epidemiologista, embora refira que não basta olhar para o aumento de infeções. “Temos de olhar para todos os parâmetros, nomeadamente para a incidência e para a severidade”, aponta Mexia.

Quando finalmente a doença atingir o ponto de endemia, “provavelmente a utilização da máscara poderá manter-se em alguns grupos populacionais”, antecipa o epidemiologista. “No entanto, continuar a testar para procurar a doença em pessoas assintomáticas e saudáveis talvez deixe de fazer sentido, tal como não testamos para outras doenças”, conclui Ricardo Mexia.