Coronavírus

Levantamento de patentes das vacinas anticovid: UE disponível para seguir EUA, líderes vão discutir assunto no Porto

A presidente da Comissão Europeia volta a admitir o possível levantamento de patentes durante a pandemia, depois dos EUA terem mostrado vontade em apoiar esse passo. O assunto vai estar na agenda do jantar de chefes de Estado e de Governo que se reúnem no Porto a partir desta sexta-feira

REUTERS

Susana Frexes e Paula Freitas Ferreira

A decisão do outro lado do Atlântico de apoiar a discussão sobre o levantamento de patentes das vacinas anticovid-19, pressionou a reação europeia. Esta quinta-feira, Ursula von der Leyen foi à rede social Twitter dizer que a UE não vai ficar fora da discussão. A "prioridade" europeia continua a ser aumentar a produção e alcançar "a vacinação global". "Nesse contexto, estamos prontos para avaliar como é que a proposta dos EUA pode ajudar a alcançar esse objetivo".

Tratou-se de um volte-face na posição norte-americana. Os EUA anunciaram na quarta-feira que apoiam a suspensão temporária das patentes das vacinas: o objetivo é apoiar os esforços internacionais para aumentar a produção dos imunizantes, quando as nações mais pobres se debatem com dificuldades no acesso à vacina.

A posição dos EUA surgiu durante o encontro da Organização Mundial do Comércio, em relação a uma proposta apresentada pela Índia e pela África do Sul e que foi apoiada por muitos congressistas democratas. Joe Biden estava sob crescente pressão para apoiar a proposta, escreve o "The New York Times", o que acabou mesmo por fazer.

“Esta é uma crise de saúde global e as circunstâncias extraordinárias da pandemia covid-19 exigem medidas extraordinárias”, disse Katherine Tai, a representante comercial dos Estados Unidos, num comunicado tornado público na quarta-feira.

“O governo [dos EUA] acredita fortemente na proteção da propriedade intelectual, mas, devido à pandemia, apoia a dispensa dessas proteções para as vacinas contra a covid-19”, diz a nota citada pelo NYT.

Sobre a posição da Comissão Europeia, esta não é a primeira vez que a Von der Leyen admite a possibilidade de se levantar patentes - na altura por causa das falhas sucessivas nas entregas da AstraZeneca -, alinhando com a Organização Mundial da Saúde e vários outros países. Mas o assunto tem ficado sempre por aí, sem consequências. Por várias vezes, a Comissão, incluindo o comissário Thierry Breton (que tem a pasta do Mercado Interno), defendeu que o levantamento compulsivo de patentes não resolveria o real problema: a falta de capacidade para produzir mais doses.

Agora, a administração Biden vem dar novo fôlego à discussão e, inevitavelmente, o assunto foi incluído no jantar de líderes desta sexta-feira no Porto. De acordo com um alto responsável europeu, o objetivo é olhar para o que "concretamente poderá ser feito", repetindo-se que a "União Europeia está pronta para debater" com as autoridades responsáveis, os produtores. A mesma fonte lembra ainda que "os Tratados preveem flexibilidade" para "facilitar a produção".

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, admitiu, no Twitter, que essa discussão irá acontecer durante o encontro de líderes europeus no Porto, adiantando que "a cooperação multilateral é a chave".

Charles Michel confirma então que em cima da mesa estará a proposta da África do Sul e da Índia para a renúncia durante a pandemia dos direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas e tratamentos para a covid-19, apresentados durante a reunião do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), no início de março, mas, para isso, os países desenvolvidos teriam de alinhar na proposta, o que parece que os EUA estão agora dispostos a fazer.

Michel recorda também, no tweet, que a UE apoia o “terceiro caminho” ou a “terceira forma” – impulsionado pela Diretora-Geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, com vista a abordar a escassez das vacinas, num equilíbrio entre os direitos sobre estas e as regulamentações de comércio internacional - que seriam temporariamente anuladas.

No entanto, este "terceiro caminho" poderá colocar em causa a proposta dos países mais pobres: das farmacêuticas renunciarem à propriedade intelectual das vacinas contra o vírus - e dos medicamentos para tratar a doença - até ao fim da pandemia.

Então, o que exatamente poderá sair do jantar? A questão está por responder, mas deverá haver troca de pontos de vista, "tendo em conta as várias sensibilidades". "Há um forte compromisso de algumas delegações para sermos mais ativos na partilha de vacinas a nível global", adianta ainda este alto responsável.

Segundo a presidente da Comissão Europeia, a UE está à frente na distribuição de doses e já entregou ao resto do mundo "mais de 200 milhões de doses", tantas quantas foram "distribuídas aos europeus". E deixa ainda um apelo aos países produtores de vacinas - fora do bloco comunitário - para que "permitam a exportação imediata" de vacinas e que "evitem medidas que perturbem as cadeias de distribuição".

A própria UE tem em vigor um mecanismo de controlo e monitorização de exportações de vacinas e já bloqueou um envio de doses da AstraZeneca para a Austrália, mas tem argumentado sistematicamente que os bloqueios não podem ser resposta para os problemas.