Coronavírus

Covid-19. Passo “importante” ou caminho que “complicaria a produção”? As reações a favor e contra a suspensão das patentes das vacinas

Entre os países que saudaram a posição dos Estados Unidos defendendo a suspensão dos direitos de propriedade intelectual das vacinas anticovid-19 estão a África do Sul, França e Itália. O Governo alemão tomou posição contra, tal como as farmacêuticas Pfizer e a BioNTech

LINDSEY PARNABY/Getty Images

O Presidente da África do Sul saudou esta quinta-feira o apoio dos Estados Unidos à proposta para suspender os direitos de propriedade intelectual das vacinas anticovid-19. Cyril Ramaphosa considera que a posição assumida por Joe Biden constitui um “importante reforço” na campanha que a África do Sul e a Índia lançaram já em 2020 junto da Organização Mundial do Comércio (OMC), sendo um passo no sentido do fim daquilo que apelida de “imperialismo” das vacinas.

Também o Presidente russo, Vladimir Putin, veio afirmar ser a favor da medida, opinião secundada pela França e Itália. Em sentido inverso, a Alemanha afastou-se da proposta norte-americana, tal como as empresas farmacêuticas Pfizer e BioNTech.

“O objetivo pode ser alcançado se nos concentrarmos nos benefícios morais, legais e económicos de proporcionarmos proteção urgente, acessível e equitativa a todas as pessoas do mundo, dada a grave e indiscriminada ameaça à vida e à sustentabilidade económica”, afirmou o Presidente sul-africano.

Na declaração tornada pública, Ramaphosa sublinhou que a suspensão temporária das patentes de vacinas responde ao “melhor interesse de toda a humanidade” e apelou às empresas farmacêuticas para que proporcionem, “à luz do crescente consenso global”, facilidades para a partilha de conhecimentos e tecnologia antiviral. Já no Parlamento, reiterou que os medicamentos e vacinas devem ser tratados como “bens públicos”.
Para Vladimir Putin, trata-se de acelerar a produção e distribuição global.

“É claro que a Rússia apoiaria tal abordagem. Nas condições atuais, como já disse muitas vezes antes, não se deve pensar em como obter o benefício máximo, mas em como garantir a segurança das pessoas”, afirmou o Presidente russo durante uma reunião sobre a pandemia, transmitida na televisão, pedindo ao seu Governo para trabalhar no assunto.

Ainda assim, Putin não fez qualquer referência à proposta de Washington, chegando mesmo a afirmar que se tratava de uma “ideia na Europa”. “Merece atenção na minha opinião e com isso quero dizer o levantamento total da proteção de patente na vacinação contra a covid-19”, acrescentou.

Macron pede reforço da doação de doses

Em declarações durante a inauguração de um grande centro de vacinação em Paris, o Presidente francês, Emmanuel Macron, disse apoiar “completamente” o levantamento de patentes das vacinas anti-covid. “Evidentemente, temos de transformar esta vacina num bem público global”, frisou o líder francês e membro da União Europeia (UE), poucas horas depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ter afirmado que o bloco comunitário está “pronto para discutir” a proposta de Washington.

Macron, que até há pouco tempo assumia uma posição relutante sobre esta matéria, insistiu também que as prioridades internacionais a curto prazo deverão igualmente passar pela “doação de doses” e pela “produção em parceria com os países mais pobres”.

O chefe de Estado francês argumentou que, mesmo que as patentes sejam levantadas, as empresas farmacêuticas que estão localizadas em certas áreas geográficas, nomeadamente em África, não estão atualmente equipadas para desenvolver este tipo de vacinas e, como tal, as doações devem ser uma prioridade.

Destacando que a UE lidera atualmente as doações de vacinas, com a exportação de cerca de 45 milhões de doses, Macron pediu aos Estados Unidos e ao Reino Unido para seguirem o exemplo do bloco comunitário e para partilharem mais. “A curto prazo, é isso que vai permitir a vacinação”, reforçou.

A reação de Itália foi manifestada pelo ministro da Saúde. Através da sua conta no Facebook, Roberto Speranza considerou a proposta da administração Biden “um importante passo em frente”. “A Europa também tem um papel a desempenhar” e “esta pandemia ensinou-nos que só podemos vencer juntos”, escreveu.

Numa outra expressão de agrado, o diretor do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC) referiu-se à posição norte-americana como “ׅuma notável expressão de liderança”.

“A história recordará a decisão tomada pelo Governo dos Estados Unidos como sendo a coisa certa no momento certo para combater este terrível desafio, sem precedentes na nossa história contemporânea”, afirmou John Nkengasong. Não vai acontecer “da noite para o dia”, acrescentou, “mas dá-nos uma oportunidade única de avançar com um programa de fabrico continental” de vacinas.

Alemanha e farmacêuticas contra

Quanto à Alemanha, depois de o ministro dos Negócios Estrangeiros, Heiko Maas, ter afirmado que a suspensão das patentes era “uma discussão” para a qual o país estava “aberto”, o Governo tomou oficialmente uma posição contra a proposta dos EUA e descolou-se da própria União Europeia (UE). “A proteção à propriedade intelectual é a fonte de inovação e deve continuar a sê-lo no futuro”, frisa o comunicado emitido.

“A proposta dos EUA de suspender as patentes das vacinas Covid-19 tem implicações para toda a produção de vacinas”, explica a mesma nota, alegando o Governo que “o que tem limitado a fabricação de vacinas são as capacidades físicas de produção, não as patentes”.

Sem surpresa, as empresas farmacêuticas norte-americana Pfizer e alemã BioNTech - que produzem, em consórcio, uma vacina contra a covid-19 – manifestaram estar contra a proposta dos Estados Unidos.

O presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla, alegou que a abertura de locais de produção das vacinas produzidas em parceria com a BioNTech em outros lugares que não os existentes nos Estados Unidos e na UE iria complicar a produção e comprometer as metas de quantidade de doses produzidas. “Precisamos de garantir que as operações não são interrompidas por anúncios motivados politicamente”, acrescentou Bourla.

O responsável da Pfizer lembrou que uma vacina baseada em novas tecnologias, como a vacina contra a covid-19, requer um processo “muito longo” e uma “experiência técnica apurada”, acrescentando que são muito poucas as fábricas que têm estas competências instaladas.

A farmacêutica BioNTech disse também que a proteção de patentes sobre vacinas contra a covid-19 não foi o fator que limitou a produção e fornecimento da sua vacina desenvolvida com a norte-americana Pfizer. “As patentes não são o fator que limita a produção ou o fornecimento da nossa vacina. O seu levantamento não aumentaria a produção global ou o fornecimento de doses de vacinas no curto ou médio prazo”, disse um porta-voz da farmacêutica.

Já esta sexta-feira, a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, saudou a proposta norte-americana, dizendo que o próximo passo é ter um texto para se chegar a um acordo. “Peço que coloquem esse texto o mais depressa possível na mesa de negociações”, apelou.