Coronavírus

Covid-19. Bruxelas descarta opção de compra de doses extra da vacina da AstraZeneca

A Comissão Europeia pode avançar para tribunal para garantir a entrega de 300 milhões de doses da AstraZeneca. Ao mesmo tempo, deixa claro que não quer os 100 milhões opcionais que estavam também no contrato

SOPA Images/Getty Images

Paula Freitas Ferreira e Susana Frexes

As falhas da farmacêutica AstraZeneca (AZ) na entrega das doses contratualizadas com a UE não só levam Bruxelas a considerar a hipótese de avançar para tribunal, para garantir que as vacinas chegam a tempo e em número suficiente aos Estados-membros, como explicam que a União Europeia não queira as doses opcionais que estavam no contrato. Fica apenas com os 300 milhões iniciais.

"No que diz respeito à opção de compra de 100 milhões de doses (extra), o prazo para acionar passou e por isso essa opção não será feita", disse na manhã desta quinta-feira o porta-voz do executivo comunitário Stefan De Keersmaecker.

Bruxelas faz com a AstraZeneca o que não fez com a Pfizer. Ainda na segunda-feira, a Comissão Europeia confirmava que iria usar a opção de compra de 100 milhões de doses adicionais da Pfizer, para além dos 200 milhões já fechados. Agora, confirma que deixou passar o prazo para pedir mais à AZ. Um sinal de que também não há vontade para negociar qualquer segundo contrato.

"Claro que, se tiver um contrato com um fornecedor de qualquer setor, mas é impossível cumprir o compromisso e o contrato, então será difícil assinar um novo contrato", disse à Lusa o comissário da Justiça. Em entrevista, Didier Reynders falava de futuros contratos com as farmacêuticas para 2022 e 2023, tendo em conta a proteção contra novas variantes.

O belga sublinhou que "existe muita flexibilidade de outros parceiros e um verdadeiro compromisso de cumprir todos os requisitos dos contratos", por parte das outras farmacêuticas com as quais Bruxelas tem acordos. Já com a AstraZeneca, Didier Reynders lamenta que haja "cada vez mais dificuldades", notando que "essa é a linha vermelha". E o passo seguinte pode ser mesmo levar a empresa anglo-sueca a tribunal.

"Se virmos que se tornou muito difícil receber pelo menos um certo número de vacinas em tempo útil, teremos de tomar outras decisões [...] e isso é muito compreensível para todos", referiu o comissário europeu da Justiça, remetendo uma decisão sobre a ação judicial para as "próximas semanas".

"Temos todas as diferentes opções em cima da mesa [...]. Queremos que a AstraZeneca cumpra os compromissos assumidos nos contratos e, de momento, estamos a exercer pressão para ter a certeza de que é possível fazê-lo", resumiu, na entrevista à Lusa, Didier Reynders.

A AstraZeneca deveria ter entregado 120 milhões de doses no primeiro trimestre, mas acabou por só entregar 30 milhões. Já para o segundo trimestre estavam previstos 180 milhões de doses, mas a distribuição poderá ficar-se pelos 70 milhões.

Em março, Bruxelas acionou o mecanismo de resolução de litígios previsto no contrato assinado com a farmacêutica, para tentar ultrapassar as falhas na entrega de doses. Mas o processo não está a dar resultados, o que leva o executivo comunitário a equacionar os tribunais.

"O que nos importa e aos Estados-membros é assegurar que a empresa entrega atempadamente o número suficiente de doses. Isso ainda não aconteceu e, por isso, estamos a olhar para todas as opções disponíveis, juntamente com os Estados-membros, para que as entregas aconteçam", disse aos jornalistas Stefan De Keersmaecker, esclarecendo, no entanto, que "ainda não foi tomada uma decisão no que diz respeito a esta ação judicial". Bruxelas está à procura do apoio dos países.

No domingo, também o Comissário para o Mercado Interno, Thierry Breton, deixou duras críticas à AstraZeneca, deixando antever que Bruxelas não estaria disposta a celebrar novos contratos com a empresa.

A AstraZeneca tem estado envolta em polémica devido à incapacidade de distribuição para a UE e também à exportação de vacinas de fábricas europeias para países terceiros, nomeadamente para o Reino Unido, o que levou Bruxelas a criar em janeiro passado um sistema de controlo de tais operações.

No final de março, a Comissão Europeia anunciou um reforço deste mecanismo de transparência e de autorização para exportações de vacinas, num esforço para assegurar o acesso atempado aos fármacos contra a covid-19 através da introdução dos princípios de reciprocidade e proporcionalidade.

Além dos constantes atrasos na entrega das vacinas e em doses aquém das contratualizadas, a campanha de vacinação da UE tem sido marcada por casos raros de efeitos secundários como coágulos sanguíneos após toma do fármaco da AstraZeneca, relação confirmada pelo regulador europeu, como aliás aconteceu com a vacina da Johnson & Johnson.

Numa altura em que só 8,5% dos adultos europeus estão totalmente vacinados (com as duas doses da vacina) após quatro meses, Bruxelas atribui principalmente os níveis baixos de inoculações aos problemas de entrega das vacinas da Vaxzevria (o novo nome do fármaco da AstraZeneca) para a UE, exigindo que a farmacêutica recupere os atrasos na distribuição e cumpra o contratualizado.

Atualmente, estão aprovadas quatro vacinas na UE: Comirnaty (nome comercial da vacina Pfizer/BioNTech), Moderna, Vaxzevria e Janssen (grupo Johnson & Johnson). A meta de Bruxelas é que, até final do verão, 70% da população adulta esteja vacinada.