Coronavírus

Reunião no Infarmed: as certezas, as dúvidas, os alertas dos especialistas - e o Governo confirma extensão do confinamento

Especialistas foram unânimes na reunião no Infarmed desta terça-feira ao reconhecer a necessidade de prolongar o confinamento. Dois meses será o tempo previsto para atingir níveis mais baixos de infeções e de internamentos em cuidados intensivos. Mas será preciso também o reforço da testagem. António Costa e Marta Temido já confirmaram que será esse o plano do Governo - após críticas e avisos sobre a gestão da pandemia

ANDRÉ KOSTERS/POOL

Foi uma reunião à distância, por videoconferência, mas talvez nunca os políticos e os peritos estiveram tão próximos na visão sobre a pandemia. Se em dezembro o Governo ignorou os alertas dos especialistas em saúde pública – que receavam o início de uma terceira vaga – e optou por aliviar as restrições no Natal, desta vez o Executivo de António Costa parece seguir à risca os conselhos dos especialistas.

Vários foram os alertas ouvidos à distância pelo primeiro-ministro (só a ministra da Saúde esteve presente na sede do Infarmed): o primeiro é que será necessário prolongar o confinamento durante dois meses para atingir níveis mais baixos de infeções e de internamentos em cuidados intensivos. Quem o disse foi Baltazar Nunes, responsável pela Unidade de Investigação Epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

Apesar de o pico de infeções já ter sido atingido a 29 de janeiro é preciso controlar a pandemia e aliviar a pressão sobre o SNS. Nesta altura, o índice de transmissibilidade (Rt) situa-se abaixo de 1 em todo o país, exceto na Madeira (1,13), o que indica uma trajetória decrescente. Mas é necessário manter o quadro de restrições durante pelo menos mais seis semanas.

"Precisamos de manter estas medidas por um período de dois meses para trazer o número de camas em cuidados intensivos abaixo dos 200 e a incidência a 14 dias abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes", defendeu Baltazar Nunes.

Aumento "bastante expressivo" da mortalidade em janeiro

Em termos globais, o número de infeções por covid-19 está a decrescer em todas as faixas etárias, ainda que se mantenha com incidência elevada, sobretudo entre os 60 e 80 anos. Após um aumento "bastante expressivo" da mortalidade em janeiro, os números de óbitos mantêm-se elevados este mês, assim como as hospitalizações, o que constitui um motivo de preocupação nesta fase, que já levou à chegada de profissionais de saúde alemães.

André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde (DGS), foi perentório: "Este nível de confinamento parece suficiente para travar a disseminação, incluindo da nova variante britânica". A ordem é, portanto, para manter o rumo.

Já João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, avançou que entre 1 de dezembro e 7 de fevereiro terão circulado no país cerca de 120 mil casos com padrão de mutações associadas à variante do Reino Unido. Mas há boas notícias. Se na última reunião do Infarmed as projeções indicavam que cerca de 65% dos casos de covid-19 registados até ao próximo domingo seriam causados pela variante britânica, a expectativa é agora mais positiva. "Desviámo-nos totalmente da curva projetada na altura. Deixámos de ter um crescimento exponencial, a curva passou a ter forma S e são ótimas notícias", indicou o especialista.

Recados para o Governo no adeus às reuniões

Olhando para o futuro é preciso não repetir os erros do passado. O aviso foi deixado por Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que criticou na sua última intervenção nestas reuniões o "confinamento gradual" e "tardio" e defendeu a necessidade de o país desconfinar agora com critérios e "regras claras".

Mais: o epidemiologista alertou para a necessidade de se apostar numa estratégia mais forte de testagem. O objetivo é "reduzir o tempo de contaminação", detetando doentes assintomáticos. Além disso, sugeriu que se mantenham os mapas de risco atualizados e a revisão das medidas todas as semanas.

Se o país cumprir estas recomendações e acelerar o processo de vacinação, "podemos imaginar sair da situação atual pela altura do final do verão", perspetivou Henrique de Barros, responsável pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). Nas contas deste especialista, caso se administrassem vacinas a 70% da população até ao final de setembro poderiam ser evitadas "3500 mortes".

Desta vez não houve espaço para reticências. No final da reunião, o Governo nada mais fez do que confirmar prontamente as teses dos especialistas. Marta Temido disse à saída que o confinamento está a produzir resultados no combate à covid-19 mas que será necessário prolongar o quadro de restrições por 60 dias para controlar a situação. E que a "testagem e o rastreio são essenciais", nomeadamente os testes rápidos de antigénio, garantindo que a tutela está a pedir à DGS para redefinir o "critério técnico" do alargamento da testagem.

Também António Costa não demorou a reagir, corroborando que o Executivo vai seguir as pistas dos especialistas, numa altura em que se assinalam dados positivos, como a redução dos casos, o alívio da pressão sobre o SNS e a limitação da circulação da variante britânica. "Concluímos também que quanto maior a intensidade do confinamento mais rápidos são os resultados; que os elevados níveis da pandemia requerem o prolongamento do atual nível de confinamento; e que é necessário continuar a investir na testagem massiva e na capacidade de rastreamento", escreveu o primeiro-ministro no Twitter. Uma mensagem de confiança em relação aos peritos e um sinal de mudança, após os erros já admitidos pelo próprio António Costa a propósito do alívio das restrições no Natal.