Os diferentes especialistas - sejam epidemiologistas, matemáticos, profissionais de saúde no terreno - têm esboçado diagnósticos, previsões e ideias desde o arranque da pandemia no país, em março, sobre como travar o vírus. Manuel Carmo Gomes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e também um dos peritos que o Governo escutou nas reuniões do Infarmed, é um deles. Esta terça-feira, este epidemiologista foi particularmente crítico da atuação do Governo e ainda adiantou que, embora pudesse estar presente quando necessário, ia abandonar aquelas reuniões por falta de tempo: “Não estou zangado com ninguém. Hoje achei apenas que era a minha oportunidade de fazer as pessoas refletir”, disse à revista “Visão”.
Resumindo a sua intervenção, que o próprio não quer que seja explorada politicamente e cujo conteúdo garante que a ministra da Saúde já conhecia, Carmo Gomes referiu que as medidas graduais não servem, assim como é necessário mais testagem e critérios claros para fechar e desconfinar.
A crítica estava afiada: "Janeiro foi muito mau. Acho que é minha obrigação, como especialista, fazer uma reflexão sobre a estratégia e o que podemos fazer melhor para evitar [novamente] chegar à situação de janeiro. A forma como temos vindo a lidar com a epidemia consiste em ler indicadores que chegam com sete dias de atraso, adotar medidas em resposta, esperar uma semana ou até 15 dias para ver o resultado das medidas, que normalmente não são suficientes. E continuamos nisto. O que acontece é que a partir de certa altura não conseguimos controlar o vírus. E a sociedade começa a dividir-se, é o resultado de andarmos atrás da epidemia". Ou seja: a "resposta gradual é insuficiente". "Precisamos de ter uma resposta agressiva guiada por critérios objetivos. Se se ultrapassarem linhas vermelhas, temos de tomar medidas logo."
Nesta altura em que foi anunciada a saída de Manuel Carmo Gomes, puxamos a fita atrás e reunimos por ordem cronológica alguns dos seus alertas, contributos e ideias desde março de 2020 nas várias entrevistas ou declarações que fez ao longo dos meses.
Uma das primeiras vezes em que se soube da sua intervenção foi através de líderes partidários e aconteceu na reunião do Infarmed de 31 de março de 2020. O tom foi descontraído na hora de prever o que vinha aí, segundo o jornal “Observador”. “Se o senhor Presidente me obriga a responder, eu respondo”, brincou. “O pico pode ser já na primeira quinzena de abril, como pode estar a ocorrer neste momento, como pode até já ter ocorrido.” Na altura havia 7443 casos de covid-19 no país, 160 mortes e 627 hospitalizados (188 em unidades de cuidados intensivosUCI). Aquele 31 de março foi a primeira vez que Portugal superou os 1000 casos num dia (1035).