Coronavírus

Covid-19: Investigadores da Universidade do Porto criam máscara que protege pacientes e cuidadores durante as refeições

Viseira com componente inferior amovível destina-se a doentes com dificuldades de deglutição que tenham sido sujeitos a ventilação nos cuidados intensivos, sofrido AVC, padeçam de Parkinson ou Alzheimer. Pedido provisório de patente já foi registado e será lançado em breve no mercado

D.R.

O aparecimento do surto de infeção por SARS-CoV-2 veio alertar a comunidade científica para uma nova realidade em relação ao doente com disfagia e à reabilitação desta situação clínica, bem como a doentes com a motricidade oral disfuncional. O desenvolvimento do protótipo de uma máscara capaz de proteger doentes e cuidadores durante as refeições partiu de uma equipa multidisciplinar constituída Joaquim Gabriel Mendes, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), José Manuel Amarante e Miguel Pais Clemente, da Faculdade de Medicina da UP (FMUP) e Catarina Aguiar Branco, do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga e da FMUP.

A máscara protetora para a disfagia e/ou motricidade oral disfuncional covid-19 foi desenvolvida a pensar em idosos institucionalizados em lares ou doentes internados em regime hospitalar, onde a utilização desta máscara possa ser uma mais-valia, sobretudo durante o período das refeições, o de maior risco de contágio entre pacientes e cuidadores eventualmente infetados mas assintomáticos.

“A utilização desta máscara tem como objetivo a criação de uma barreira mecânica que visa a diminuição da propagação dos aerossóis existentes, nomeadamente com a ocorrência da tosse, fenómenos de engasgamento, a estimulação de reflexos da deglutição ou de outras estruturas intraorais”, explica ao Expresso Miguel Pais Clemente, salientando que com este dispositivo protege-se os profissionais de saúde do contágio por SARS CoV-2, médicos fisiatras (especialista em medicina física e de reabilitação), terapeutas da fala, profissionais de enfermagem de reabilitação da disfagia e o próprio doente.

“Trata-se de uma proteção adicional uma vez que a cavidade oral se encontra aberta e as vias aéreas estão mais desprotegidas aos aerossóis existentes em lares ou instituições de saúde”, refere Pais Clemente. A especificidade desta máscara permite a sua utilização em doentes que se encontrem em tratamentos de terapia da fala, após por exemplo um acidente vascular cerebral, permitindo a realização ”de exercícios orofaciais com a manutenção da mascará algo que não é de todo possível de executar com as máscaras disponíveis atualmente no mercado”.

De acordo com Joaquim Gabriel Mendes, engenheiro mecânico de formação e investigador do INEGI, a máscara é constituída por dois componentes, uma porção fixa na zona frontal da cabeça enquanto que a parte inferior é transparente, amovível, “permitindo a visualização e o aceso a cavidade oral”, dispositivo destinado também a doentes com dificuldades de deglutição “inerentes a patologias associadas tais como Alzheimer, Parkinson” ou com alterações do processo de deglutição após terem sido sujeitos a ventilação nos cuidados intensivos.

O desafio lançado a Gabriel Mendes surgiu logo na primeira vaga pandémica, altura em que as clínicas dentárias foram encerradas. “A comunidade das ciências dentárias sentiu que era necessário um escudo protetor de aerossóis para a prática de saúde oral”, recorda Pais Clemente, médico-dentista e investigador da FMUP.

A máscara inovadora, conforme refere Joaquim Gabriel Mendes “é fabricada em material plástico, transparente, sendo constituída por dois componentes, um superior fixo e um inferior móvel, que permite o acesso à boca do paciente sem retirar a máscara”.

“Adicionalmente, para evitar a projeção de partículas de comida e de gotículas respiratórias de pessoas infetadas, a máscara permite ainda que seja colocado um tubo com sistema de aspiração, minimizando o perigo de contágio face à grande proximidade do paciente e do cuidador, durante o moroso processo das refeições de pessoas com disfagia, isto é, com constrangimentos de deglutição”, explica Joaquim Gabriel Mendes.

Miguel Pais Clemente lembra que as máscaras até agora existentes no mercado não oferecem uma “alternativa adequada para quem sofre de limitações da deglutição, por obrigarem à sua remoção para permitir o acesso dos alimentos à cavidade oral”, preocupação essa que levou à constituição da equipa de trabalho constituída por uma fisiatra, um cirurgião plástico e maxilo facial, um médico dentista e um engenheiro mecânico.

Médicos problematizam, engenheiros resolvem

“Os clínicos colocam os problemas e os engenheiros ajudam a criar soluções”, sintetiza, assim, Pais Clemente, acerca da relação de grande proximidade institucional e física existente” entre as duas faculdades vizinhas.

“Esta proteção inovadora evita a constante colocação e remoção das máscaras tradicionais, além de permitir que o cuidador visualize o processo de mastigação e deglutição dos alimentos”, refere o professor da FMUP, que sinaliza a eficácia deste dispositivo em pacientes em processo de reabilitação de disfagia.

“A prevalência da disfagia após um Acidente Vascular Cerebral pode chegar aos 30-65%. Os doentes com disfagia têm um aumento significativo do risco de desenvolverem uma pneumonia (infeção pulmonar) por aspiração de material da região orofaríngea (ou seja, a entrada e deglutição de sólidos ou líquidos na via aérea abaixo do nível das cordas vocais), uma situação adversa que ocorre em cerca de 1/3 destes doentes. É reconhecida a mortalidade associada à pneumonia que ocorre depois de um AVC em cerca de 35% destes doentes”, adverte Pais Clemente.

Com o crescimento de surtos nos lares, que causaram a morte de 3.750 residentes até 4 de fevereiro, a criação de um dispositivo inibidor de transmissão de partículas de pessoas com disfunções faringo-laríngea, com obstruções respiratórias que causam frequentes acessos de tosse, revelou-se, por isso, uma necessidade premente, pelo menos enquanto não houver imunidade de grupo.

Olhar para o presente, pensar no futuro, aprender com o passado

Para Miguel Pais Clemente, a funcionalidade da nova máscara vai para além da covid-19, defendendo que “devemos olhar para o presente, pensar no futuro, mas aprender com o passado”. O docente da FMUP recorda que em 2002 surgiu o SARS-CoV (síndrome respiratória aguda), em 2012 o MERS-Cov (síndrome respiratória do Médio Oriente) e que “a estirpe covid-19 veio mais cedo e já regista mutações do vírus, o que significa o uso de máscara não se esgota nesta pandemia”.

O dispositivo com a parte inferior móvel e sistema de aspiração através de um tubo com filtro é ainda considerado uma mais-valia para José Manuel Amarante, ex-diretor da FMUP e especialista em cirurgia reconstrutiva da face, ao limitar os riscos de traumatizados da face e terapeutas da fala.

Ao Expresso, Joaquim Gabriel Mendes avança que o pedido de patente provisório do protótipo já foi submetido com apoio dos serviços do gabinete de Inovação da Universidade do Porto. “A equipa está agora a procura de um parceiro industrial de forma a poder produzir em série este equipamento de proteção adicional e colocá-lo no mercado”, frisa Joaquim Gabriel, que acredita que a nova máscara poderá começar a ser produzida e comercializada em breve.