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Coronavírus

Covid. Como uma “reunião de irmãos” (e não só) fez da Sérvia “um país raro” na vacinação

A Sérvia já vacinou mais de 6% da população, uma percentagem que só é ultrapassada na Europa pelo Reino Unido. O segredo? Fez negócio a Oriente. Outros países que não pertencem à União Europeia e que ficaram “esquecidos” pela estratégia de Bruxelas (entretanto virada do avesso) já começaram a seguir o exemplo sérvio

OLIVER BUNIC

Não criticar a China - ou o regime chinês - pode dar jeito em tempos de pandemia, pelo menos desta maneira: “Eu fui o único que não acusou a China de nada, por isso tivemos uma reunião de irmãos - eu e o ministro dos Negócios Estrangeiros [chinês] - e desde então começou o apoio chinês ao nosso país, em relação ao coronavírus e a tudo o resto.” Aleksandar Vucic, primeiro-ministro da Sérvia, verbalizou um facto: a China tornou-se o principal ator estrangeiro na região dos Balcãs, sobretudo na Sérvia, onde tem investido milhares de milhões para garantir influência e controlo económico. Ora, essas relações permitiram à Sérvia adiantar-se na campanha de vacinação contra a covid-19.

A União Europeia (UE) prometeu dar 70 milhões de euros para vacinas à Sérvia e a outros países dos Balcãs que querem entrar para a UE. Até aqui tudo bem, não fosse a própria UE estar afundada em atrasos e polémicas em torno da distribuição das vacinas nos seus Estados-membros, deixando outros países europeus que não fazem parte do grupo ainda mais para trás. Não podendo contar com Bruxelas e querendo responder à pandemia, a Sérvia virou-se para Oriente: o país quer entrar na UE, sim, mas é também uma aliada da Rússia (historicamente) e uma amiga da China (recente). O país começou a vacinar a sua população contra a covid-19 a 24 de dezembro: as primeiras vacinas que chegaram a Belgrado até eram da Pfizer - Aleksandar Vucic e os restantes ministros tomaram-na - mas desde então esse impulso ocidental eclipsou-se.

Estes são os números: a esmagadora maioria das 1,1 milhões de doses importadas pelo governo de Belgrado são da Sinovac, a vacina feita pela Sinopharm, empresa que tem o apoio do estado Chinês, e também da vacina russa Sputnik V, que tem uma eficácia de 91,6%. Até agora, a Sérvia já vacinou mais de 6% da sua população de sete milhões de pessoas, uma percentagem maior do que qualquer outro país europeu nesta fase (tirando o Reino Unido) e mais do dobro da média atual da UE. “A Sérvia é um dos raros países do mundo onde [o cidadão] pode conseguir vacinas de todos os fabricantes mundiais”, chegou a vangloriar-se o ministro do Interior, Aleksandar Vulin.

Segundo os últimos dados do site “Our World in Data”, só Israel, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Bahrain e Estados Unidos estão a proteger os cidadãos a um ritmo superior ao da Sérvia, onde 6,43 em cada 100 habitantes tomaram a primeira dose. Portugal fica-se pelos 3,32, por exemplo. A diferença de andamento é tanta que até Emmanuel Macron já veio fazer um mea-culpa público: “Gostava que a França e a Europa pudessem ter estado mais do vosso lado no que toca às vacinas”, disse o presidente francês a Vucic e a um grupo de jornalistas esta segunda-feira. “Nós, europeus, temos de ser mais eficientes nisto.”

O problema é que “isto” não está fácil: a Europa está atrasada, Angela Merkel já teve de se sentar com as farmacêuticas, e no entretanto as ofertas russas e chinesas vão ganhando terreno dentro da UE: seguindo o exemplo da sua vizinha, na semana passada a Hungria tornou-se o primeiro país pertencente à UE a aprovar as vacinas chinesas e russas contra a covid-19. E isto é novamente bom para a China: o forte investimento na região dos Balcãs nos últimos anos inclui um caminho de ferro entre Belgrado, a capital sérvia, e Budapeste, a capital húngara.

UE deixou os países Balcãs “sozinhos”

“Tão perto porém tão longe. Os países dos Balcãs Ocidentais [Albânia, Bósnia, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia, e Kosovo] continuam a ser deixados sozinhos nisto - esperemos que isso mude num futuro não muito longínquo. Só de pensar que toda a população dos Balcãs Ocidentais é menor do que um único estado-membro da UE... Numa pandemia só podes estar tão seguro quanto os teus vizinhos.” Esta mensagem agridoce foi escrita a 26 de dezembro no Twitter por Endri Fuga, assessor do primeiro-ministro albanês, Edi Rama. Fuga reagia ao anúncio festivo da Comissão Europeia de que a vacinação na UE iria começar no dia seguinte e os avisos que deixou acabaram por se confirmar.