Foi um despropósito. Como na fila para o pão ou talho, havia gente a amontoar-se à porta dos que vendiam oxigénio. Outros, afogados na angústia e sem fôlego, andavam num corre-corre para garantir botijas e cilindros com aquele precioso gás medicinal. Os familiares e amigos estavam a morrer nos hospitais de Manaus, no estado do Amazonas. Aquelas imagens correram e abanaram o mundo. Ou pelo menos abanaram e morderam o mundo de quem as viu. Morreram 31 pessoas a 14 e 15 de janeiro, segundo documentos obtidos pelo Ministério Público de Contas a que o "G1" teve acesso.
Manaus é atualmente o epicentro das crises política e sanitária que se vivem no Brasil, e não é só pela questão do oxigénio. Para além do vírus e da sua variante identificada no Japão e com origem naquela cidade do Amazonas, surgem também suspeitas que assombram a campanha de vacinação: o Ministério Público pediu nas últimas horas a prisão para o prefeito daquela cidade e para a secretária de Saúde por fraude e suspeitas de favorecimento. A nova variante do vírus está a preocupar e a ocupar os especialistas, pois uma grande parte da população de Manaus foi exposta à covid-19 em abril e maio de 2020 e agora os números de novos casos voltaram a disparar. Por consequência, consumiu-se o triplo do oxigénio que havia sido consumido no pico anterior. E o oxigénio medicinal acabou, o que levou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a pedir ao Supremo Tribunal Federal para investigar a conduta e eventual omissão do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o terceiro do mandato de Bolsonaro.
“O ministro sabia da escassez de oxigénio e não agiu para evitar que a situação se agravasse”, diz ao Expresso Joyce Martins, doutorada em Ciência Política e mestre em Sociologia, desmentindo a versão de Pazuello, que falou num aumento de casos desconhecido. “Em vez disso, preferiu propagandear um tratamento precoce da doença sem nenhuma comprovação científica, mas que convém à meta de reduzir o stock federal de cloroquina. Pazuello foi a Manaus entregar 120 mil doses do remédio porque, se o stock do Governo ficar encalhado, não apenas o ministro pode sofrer consequências graves, como também o Presidente e o próprio exército, que comprou insumos sem licitação e a preços acima do mercado para produzir os medicamentos a pedido do Presidente. Esta não é a primeira vez que a Justiça brasileira age devido a comportamentos do Governo federal diante desta crise. O Supremo também precisou de intervir para que estados e municípios tivessem autonomia diante do combate ao coronavírus, já que uma ação articulada com o Governo federal estava impossibilitada diante do negacionismo e da preocupação do Presidente somente com a Economia, que poderia custar-lhe a reeleição.”