Coronavírus

Covid-19. Guiné-Bissau recebe 45 toneladas de ajuda em ponte aérea da UE com partida de Lisboa: uma “federação de recursos”

Entre quinta-feira e domingo partem da capital portuguesa quatro voos com destino a Bissau. Na bagagem seguem medicamentos e equipamentos de laboratório e de proteção individual. O embaixador do país em Lisboa garante que o Governo guineense está “a transformar esta tragédia numa oportunidade de reconstruir o sistema de saúde”

Hélder Vaz Lopes (embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa), Teresa Ribeiro (secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação) e Sofia Colares Alves (representante da Comissão Europeia em Portugal)
José Fernandes

O primeiro de quatro voos de uma ponte aérea humanitária da União Europeia (UE) parte esta quinta-feira de Lisboa com destino a Bissau para “ajudar a mitigar os efeitos da covid-19”. Em dias sucessivos e até domingo, os voos transportam um total de 45 toneladas de medicamentos, equipamentos de laboratório e equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, anunciou na véspera a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro, na área de carga do Aeroporto Humberto Delgado.

“Esta é uma ajuda enorme porque um dos grandes problemas no quadro da mitigação dos efeitos da pandemia tem sido justamente a questão logística, a questão do transporte”, acrescentou a governante. “É muito bem-vinda a iniciativa da UE, que, de facto, permitiu que desbloqueássemos o que era um obstáculo importante para fazer chegar ajuda aos países com que temos relações e com que a UE tem relações”, sublinhou.

A Guiné-Bissau é o país com o maior número de casos confirmados de infeção por 100 mil habitantes na África Ocidental. Segundo os dados mais recentes da Universidade Johns Hopkins, o país lusófono tem atualmente 1.954 casos confirmados, 26 mortos e 803 recuperados da covid-19. Desde o início de maio, mais de 30 voos de ajuda humanitária da UE, com mais de 650 toneladas de carga, foram operados para zonas críticas, onde as restrições aos transportes arriscavam aumentar as necessidades ou gerar uma falta de material médico, refere um boletim informativo da Representação da Comissão Europeia (CE) em Portugal.

José Fernandes

“Chegámos a esta pandemia e não temos um sistema de saúde”

“Além de financiar os voos, o papel da UE é participar na luta global contra a covid-19. Temos toda uma estratégia com imensos parceiros, a começar obviamente pelas Nações Unidas e pela Organização Mundial de Saúde, com várias organizações não governamentais, mas obviamente com o esforço de todos os Estados-membros”, disse a representante da CE em Portugal, Sofia Colares Alves. “É um verdadeiro trabalho de equipa que visa combater a pandemia em todo o mundo. Não vale a pena combatê-la só na Europa”, destacou esta quarta-feira.

Igualmente presente no local de embarque na véspera da realização do primeiro voo esteve o embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, Hélder Vaz Lopes. O diplomata assinalou “a importância crucial” da iniciativa e agradeceu à UE, às autoridades portuguesas e a todas as instituições que se juntaram neste “esforço solidário”. “Durante os 46 anos de independência, a Guiné-Bissau teve o seu sistema de saúde desmontado e a desmoronar de uma forma progressiva. Chegámos a este momento, confrontados com esta pandemia, e não temos um sistema de saúde”, avaliou.

José Fernandes

O embaixador garantiu que o Governo guineense está “a aproveitar esta tragédia para a transformar numa oportunidade de reconstruir o sistema de saúde”. “Pela primeira vez em várias décadas, os hospitais da Guiné-Bissau fornecem comida aos doentes mas isso acontece com este Governo, que tem quatro meses. Isto é governar para as pessoas e servir o povo”, declarou. Questionado sobre uma eventual ajuda no quadro da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e da União Africana (UA), o diplomata frisou que “as condições de cooperação da UE com os seus parceiros não são as mesmas da CEDEAO e da UA”, instituições que descreveu como “muito mais frágeis sob o ponto de vista das capacidades e disponibilidades financeiras”.

“A intenção das autoridades da Guiné-Bissau é que, na nossa relação com a UE, Portugal seja a ponte e que, na relação de Portugal com a nossa região africana, possamos igualmente ser a ponte num contexto que facilite, pelo conhecimento local, e que ajude à aproximação entre Portugal e esses povos”, detalhou Hélder Vaz Lopes. “Pretendemos que a nossa relação seja especial e traduzida também numa parceria especial. Estamos a trabalhar nisso para um futuro próximo. Sentimos uma abertura absoluta das autoridades portuguesas”, disse ainda.

José Fernandes

A ajuda que chegará a Bissau nos próximos dias provém de agências da ONU (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e UNICEF), de duas fundações portuguesas (Fundação Aga Khan e Fundação Calouste Gulbenkian) e de um conjunto alargado de Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento, precisou a secretária de Estado. “Valorizamos muito particularmente o facto de conseguirmos fazer aqui uma aliança que nos permite rapidamente colocar ajuda humanitária nos países terceiros”, referiu a governante no que caracterizou como uma “federação de recursos”. A carga será utilizada no quadro das atividades das instituições envolvidas, com “as suas equipas no terreno” e “sempre em concertação com as autoridades locais”.

A governante não quis comentar a situação política na Guiné-Bissau. “A única coisa que podemos dizer é que temos agora uma situação estabilizada, com a aprovação do programa do Governo”, avaliou, assegurando que Portugal se relaciona “num quadro de normalidade” com a Guiné-Bissau. Em fevereiro, a Comissão Nacional de Eleições declarou Umaro Sissoco Embaló o vencedor da segunda volta das eleições presidenciais. O candidato dado como derrotado, Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), não reconheceu os resultados, alegando que houve fraude, e apresentou um recurso de contencioso eleitoral no Supremo Tribunal de Justiça, que ainda não tomou qualquer decisão.

Umaro Sissoco Embaló autoproclamou-se Presidente da Guiné-Bissau e acabou por ser reconhecido como vencedor das eleições pela CEDEAO, que tem mediado a crise política no país, e pelos restantes parceiros internacionais. Após tomar posse, o chefe de Estado demitiu o Governo liderado por Aristides Gomes, saído das legislativas de 2019 ganhas pelo PAIGC, e nomeou um outro liderado por Nuno Gomes Nabiam. O primeiro-ministro nomeado assumiu o poder com o apoio das Forças Armadas, que ocuparam as instituições de Estado.