Exclusivo

Coronavírus

Covid-19. “Se começar a correr mal, não vai haver responsabilidade política, as pessoas é que se terão portado mal”

O médico que viu provavelmente mais doentes com covid-19 e os casos mais graves desta infeção em Portugal, Roberto Roncon, está exausto. Intensivista do hospital de São João, no Porto, não só está cansado da intensidade do trabalho como da inabilidade política para lidar com os profissionais de saúde. Numa longa conversa, partilha o receio do inverno e o que não gostou de ouvir. Não é um desabafo, é um testemunho sólido de quem esteve na linha da frente, perto demais de tudo o que o país preferia que não tivesse acontecido

Roberto Roncon no São João, numa foto tirada antes do início da pandemia
Rui Duarte Silva

Esta sexta-feira Roberto Roncon vai finalmente de férias. Depois de três meses de trabalho ininterrupto, vai ter quatro dias com a família. Coordenador do Centro de Referência de ECMO do Centro Hospitalar Universitário de São João, o médico já sabe o que vai fazer: dormir e jogar ténis. Não se queixa da intensidade do trabalho, diz que fez o que achou que devia fazer. Mas queixa-se da "inabilidade política" em não perceber que ignorar a dedicação e a qualidade do trabalho dos profissionais de saúde pode ter um grande custo no futuro. Reivindica respeito.

Numa conversa franca e longa com o Expresso, por videoconferência a partir do seu gabinete no São João, partilha os bastidores de um um desafio que ainda está longe do fim. Apesar da intensidade do desafio que a pandemia lhe colocou, aos 43 anos, diz que esta não foi, contudo, a sua maior experiência profissional. Ainda nada ultrapassa a introdução em Portugal, há dez anos, do projeto ECMO - equipamento de circulação extracorpórea, que permite dar tempo de recuperação a doentes em estado muito grave internados nos cuidados intensivos. Experiência que lhe serviu para, juntamente com a equipa hospitalar, alcançar resultados superiores aos de países mais desenvolvidos, com uma taxa de mortalidade entre 10 e 20% em doentes complexos.