Coronavírus

Covid-19. As "bibliotecas vivas" dos povos indígenas do Brasil estão a morrer

As comunidades indígenas do Amazonas estão a ficar orfãs dos seus líderes, anciães e curandeiros, descritos como autênticas “bibliotecas vivas”, devido à pandemia de covid-19

MICHAEL DANTAS / GETTY IMAGES

Bep Karoti começou a sentir dores de cabeça, fadiga e dificuldades respiratórias, tal como aconteceu com grande parte da tribo, mas recusou ir ao hospital. Tinha medo de nunca mais regressar à sua terra. O líder dos xikrin, povo indígena que vive na Amazónia, tinha 64 anos quando foi infetado com covid-19 e acabou por morrer, levando com ele décadas de conhecimento e liderança.

“Ele sabia tanto sobre coisas que nós nunca experienciamos”, conta a filha Bekuoi, citada pelo "The Guardian". “Todos o admiravam. Era muito amado”, garante a jovem de 21 anos.

Cenário idêntico relata Edney Samaias, de 38 anos, chefe dos kokama, que viu morreu 57 dos seus, incluindo o pai. Num momento em que o Brasil já superou as 50 mil mortes causadas pelo novo coronavírus, as comunidades indígenas estão a ser severamente afetadas, ficando orfãs dos seus líderes, anciães e curandeiros.

Exemplo disso é o que aconteceu com o povo Munduruku, onde as vidas de 10 “sábios” foram ceifadas pela pandemia. “Costumamos dizer que somos bibliotecas vivas”, metaforiza Alessandra Munduruku, a líder tribal, para quem esta praga trouxe perdas irreparáveis na cultura, história e técnicas de medicina natural passadas de geração em geração.

De acordo com os dados da organização APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), as diferentes tribos somam 332 mortes e 7.208 casos de covid-19. “Estamos a enfrentar um extermínio”, alerta o coordenador Dinamam Tuxá, que culpa Jair Bolsonaro por estar a falhar na proteção das 900 mil pessoas de origem indígena.

Entre as vítimas indígenas está também a figura proeminente de Paulinho Paiakan, líder kayapó que, ao lado do músico Sting, encabeçou os protestos contra a hidroelétrica de Belo Monte nos anos 1980.