Coronavírus

Covid-19. Taxa de infeção de enfermeiros e auxiliares na linha da frente é dez vezes superior ao conhecido

Rastreio serológico da Fundação Champalimaud a 700 enfermeiros e auxiliares que estiveram na linha da frente nos hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e Santo António, no Porto, revela que muitos profissionais foram infetados sem saber por não terem tido sintomas

PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/GETTY IMAGES

Nos hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e Santo António, no Porto, foram realizados testes serológicos a cerca de 700 enfermeiros e auxiliares que estiveram na linha da frente no combate ao coronavírus para perceber quantos destes profissionais poderão ter estado infetados sem saberem. E os resultados do estudo realizado pela Fundação Champalimaud mostram que a taxa de infeção real é de 6,5% entre os profissionais testados no Santa Maria e 8,4% no Hospital de Santo António. Ou seja, cerca de dez vezes superior ao que se conhecia.

“Os estudos internacionais têm mostrado que o número total de pessoas infetadas e que não tinham sido diagnosticadas varia entre 4 e 50 vezes mais. Todos os estudos pilotos que já realizámos, como estes dois nos hospitais e o do concelho de Loulé, estão alinhados e vêm revelar que o número de pessoas infetadas nestes sectores profissionais, e muito provavelmente na população em geral, é muito superior ao que estamos a detetar pelos testes de diagnóstico”, explica ao Expresso Henrique Veiga-Fernandes, imunologista da Fundação Champalimaud.

“É simples de entender porquê: há uma percentagem significativa de doentes sem sintomas que não sabem que estão infetados. A esmagadora maioria destes casos que agora testámos eram totalmente assintomáticos ou tiveram sintomas extraordinariamente leves, como uma dor de cabeça ou tosse ligeira”, frisa o especialista.

Em concreto, no Hospital de Santa Maria, foram testados 310 enfermeiros e auxiliares, dos quais apenas dois (0,6%) tinham sido diagnosticados e, portanto, sabiam que tinham estado infetados. Mas segundo este rastreio, na verdade, cerca de 20 tiveram contacto com o vírus (6,5%), onze vezes mais. A taxa é mais alta entre os enfermeiros (7,6%) do que entre os auxiliares (4,7%), de acordo com o estudo feito em parceria com a Ordem dos Enfermeiros, divulgado esta quinta-feira.

Já no Hospital de Santo António, o estudo envolveu 347 enfermeiros e auxiliares nos quais era conhecida um taxa de infeção em apenas três profissionais (0,86%) quando na verdade 8,4%, ou seja, cerca de 30, foram infetados, dez vezes mais do que se conhecia. E a percentagem é muito semelhante entre enfermeiros (8,3%) e auxiliares (8,5%).

Que tipo de anticorpos?

A todos estes profissionais de saúde foram realizados testes serológicos através do método ELISA, ou seja, foi feita uma colheita de sangue, analisada depois em laboratório para deteção de anticorpos IgM, IgA e IgG, que surgem em fases distintas e têm um significado diferente.

Os IgM e IgA desenvolvem-se numa fase mais precoce, após a primeira semana de infeção, sendo ainda possível que o doente tenha a infeção ativa. Os IgG são produzidos mais tarde, após a segunda semana de infeção, como se fossem anticorpos mais maturados e que duram mais tempo. Muito ainda está por descobrir em relação à qualidade destes anticorpos, à sua duração e ao tipo de proteção que conferem.

Vários estudos serológicos têm estado a ser realizados noutros países, como é o caso do inquérito nacional realizado em Espanha, segundo o qual 5% da população teve contacto com o vírus e desenvolveu anticorpos IgG. Essa percentagem oscila entre pouco mais de 1% e 16% de região para região. Em Madrid, a taxa chega aos 11,3% e na província de Barcelona aos 7,1%.

Em Portugal, o Inquérito Serológico Nacional, que será realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, está pronto para arrancar. “Foram já contactados os 17 hospitais da rede nacional, incluindo Madeira e Açores, e os 105 postos de colheita de análises clínicas em todo o território nacional. Os materiais começam a ser entregues até ao início da próxima semana”, informou o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, esta semana.

Um estudo anterior, revelado na semana passada e realizado também pela Fundação Champalimaud em parceria com o Algarve Biomedical Center (ABC), revelou uma taxa de infeção 14 vezes superior ao que era conhecido num total de 1235 pessoas do concelho de Loulé, de vários grupos profissionais que não estiveram confinados durante os últimos dois meses.

[artigo atualizado às 14h21]