Com os bancos de cabedal verde quase vazios, dada a imposição de restrições quanto ao número de deputados autorizados dentro na Câmara dos Comuns, o primeiro-ministro do Reino Unido apresentou esta segunda-feira um resumo do seu plano de desconfinamento, na sequência do anúncio feito no domingo, do seu gabinete.
O plano pressupõe liberdade de movimentos quase total em parques e espaços desportivos ao ar livre (desde que com respeito pelas distâncias e apenas na companhia do agregado familiar ou sempre da mesma pessoa como um namorado ou amiga). No demais é muito tímido, o mais tímido entre os vizinhos europeus, até porque o Reino Unido é dos países que mais casos e mortes registam em todo o continente.
Não será do agrado de todos que Johnson tenha escolhido um caminho tão conservador, mas o governante não parece disposto a pôr em risco um milímetro do que até agora foi conseguido. “Não haveria maior erro do que pôr em risco tudo o que alcançãmos”, começou por dizer, garantindo que foi o esforço conjunto de todos os britânicos que possibilitou que um terço das camas do Serviço Nacional de Saúde estivesse estado sempre disponível.
Apelo ao bom-senso
Ao longo do seu discurso houve várias referências ao fantasma do retrocesso. Johnson fez questão de manter presente a ligação entre as medidas de desconfinamento e o comportamento dos britânicos. “Estas primeiras medidas de reabertura são condicionais e dependem, como sempre, do senso comum do povo britânico”.
O Governo, garantiu o primeiro-ministro, está preparado para “carregar nos travões” e a reintroduzir restrições a nível local, regional e nacional caso o número de casos, a taxa de infeção e o número de mortes recomece a subir. Ao mesmo tempo, Johnson frisou que, apesar de não ser o ideal, “diferentes partes do Reino Unido podem precisar de permanecer confinadas por mais tempo”.
No entender do Governo, só quando for possível verificar que não existe perigo de segunda vaga poderá o país viver dias mais normais. Uma das promessas recorrentes nos discursos dos vários ministros nas conferências de imprensa diárias tem sido o aumento do número de testes, objetivo que Johnson voltou a frisar: “Está em marcha um programa que acabará por resultar na realização de centenas de milhares de testes por dia.”
O regresso ao trabalho dos que não podem trabalhar a partir de casa também esteve em foco no discurso do governante. Sectores como manufactura, construção, distribuição de comida ou investigação científica reabrem e os trabalhadores dessas áreas são encorajados a voltar já na quarta-feira aos seus postos de trabalho. Isto, claro, se as empresas forem capazes de garantir a sua segurança.
Trabalhistas questionam segurança
Este foi o primeiro ponto que o líder da oposição trabalhista frisou na resposta ao primeiro-ministro. Segundo Keir Starmer, algumas das medidas necessárias à reabertura dos sectores essenciais à economia ainda não estão detalhadas no plano de 50 páginas publicado esta segunda-feira, embora a sua reabertura esteja prevista já para quarta-feira.
“Estarão as diretrizes de segurança para os funcionários prontas para quarta-feira? Quando é que estes trabalhadores vão receber instruções para voltar ao trabalho se não puderem fazê-lo em casa? As diretrizes foram acordadas com sindicatos e grupos empresariais? Aplicam-se apenas à Inglaterra?”, foram as primeiras perguntas de Starmer, eleito há pouco mais de um mês para chefiar o maior partido da oposição.
Quase toda a sua intervenção foi construída em torno da análise dura ao que considerou a “pouquíssima informação” contida no documento do Executivo. Apesar de reconhecer que a posição de Johnson é “difícil”, Starmer disse que as pessoas precisam de “clareza e segurança”, ambas “em níveis de stock muito baixos” neste momento.
Na resposta, Johnson voltou a valer-se do que considera a maior arma do povo britânico: o senso comum. “Espero que cada empresa utilize o senso comum no tocante ao regresso dos seus funcionários ao trabalho”, disse, prometendo que as instruções sobre como as empresas devem proteger os funcionários serão publicadas ainda esta segunda-feira.
Já as diretrizes referentes às operadoras de transportes públicos serão divulgadas terça-feira. “É o momento para todo o país se unir, obedecer a essas regras e aplicar o bom senso no respeito por essas regras”, rematou o primeiro-ministro na resposta ao líder do Partido Trabalhista.
Quarentena por definir
Ainda sobre as medidas esboçadas para prevenir um ressurgimento desta crise, Johnson anunciou que todas as pessoas que entrarem no Reino Unido, nomeadamente por via aérea, terão de ficar em isolamento durante 14 dias. Como, porém, não ofereceu detalhes sobre a data de entrada em vigor dessa regra, a oposição atacou a falta de precisão do Governo.
O líder da bancada nacionalista escocesa (SNP) em Westminster, Ian Blackford, começou por dizer que “mensagens baralhadas custam vidas” e pressionou Johnson na questão do novo lema de combate à pandemia, que passou de “stay home” (“fique em casa”) para “stay alert” (“fique atento”). Quis saber se é essa a mensagem que os políticos escoceses serão obrigados a transmitir aos cidadãos.
“Não”, respondeu Johnson de forma algo surpreendente, mas deixando antever que não é sua intenção interferir demasiado na forma como os territórios do Reino Unido com governo autónomo (Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) gerem o desconfinamento. Sobre a data para a introdução da quarentena obrigatória para quem chega, não adiantou mais informação.
O primeiro-ministro afirmou que as pessoas devem usar máscara (apesar de não ter de ser de nível cirúrgico) quando não puderem garantir os dois metros de distanciamento e prometeu que os alunos que precisem de fazer exames no verão vão ter acesso a pelo menos um mês de aulas presenciais antes das férias. Quanto aos outros sectores de atividade, como hotelaria, cinemas, e salões de beleza, a data do regresso continua longe: só dia 4 de julho haverá reunião do Conselho de Ministros para avaliar essa possibilidade.