“Além do trabalho, além das crianças, estou a ficar obcecada com limpezas. Limpo, limpo. Faço de comer. Estou sempre a cozinhar. Tiro salmão, tiro atum, uns não gostam de uma coisa, outros de outra. Tenho de estar sempre a pensar na casa. Não estava habituada a nada disto.” Esta confissão, de uma mulher, subdiretora de um instituto público, foi cedida à socióloga Maria José Núncio, no mês passado. As palavras transpiram sobrecarga e exaustão, um estado comum a muitas mulheres (portuguesas e não só.) A culpa é do surto do novo coronavírus.
Com o confinamento, muitas famílias podem estar a retroceder aos velhos estereótipos de género: “o homem provedor, a mulher cuidadora”. O patriarcado, mais ou menos invisível, está aí? “Diria que as desigualdades em matéria de género, tanto em termos de emprego, quer em trabalho familiar e doméstico, poderão ter-se acentuado nesta fase”, aponta Maria José Núncio ao Expresso. Se há cinco anos se anunciava ao mundo que “o futuro é feminino” (“The Future is Female”, um slogan resgatado de movimentos feministas e lésbicos norte-americanos dos anos 70), a fatura – em várias dimensões - a pagar pela pandemia está agora a cair mais nos ombros delas.