Nivaldo Ciriaco está com medo da pandemia, por isso rasgou o contrato com o Dinamo Minsk, um clube da Bielorrússia. Os bilhetes de avião para ele, mulher e dois filhos estão comprados. O regresso deste treinador de guarda-redes ao Brasil acontece nos próximos dias. E tudo porque o último ditador da Europa, como é conhecido o Presidente Alexander Lukashenko, desvaloriza a doença que castiga o mundo como se fosse sempre segunda-feira e recomendou vodka e sauna para combater o vírus.
“Eu sei que a situação no Brasil não está fácil, mas o medo do vírus venceu”, admitiu ao “G1” da Globo. “Desisti da Bielorrússia, por enquanto. Estou indo embora com o coração partido, mas tenho muito medo de morar num país que não leva a pandemia a sério.”
É irónico quando Jair Bolsonaro, o Presidente do Brasil que outrora falou em “gripezinha”, disse isto nas últimas horas: "Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha, alguns ministros, alguns servidores mais humildes que estão do meu lado”.
Bater papo é conversar, ensinaram as novelas. Uma peladinha é um jogo de futebol. Bolsonaro sinalizou um jornalista e, entre risos, disse-lhe que não tem cara de saber sequer o que é uma bola. O tal churrasco, garantiu o Presidente, será alimentado por uma “vaquinha” (70 reais por participante - 11 euros), mas não terá cerveja ou cheiro a cachaça: “Não terá bebida alcoólica senão a primeira-dama coloca todo mundo para correr”. O mais importante? Contraria as recomendações da Organização Mundial da Saúde, que aponta o distanciamento social como uma maneira eficaz para travar a propagação do novo coronavírus.
A revista científica "The Lancet" escreveu um editorial sobre a realidade no Brasil, que se adivinha como o futuro epicentro da pandemia de covid-19. O editorial tem o título "So what?" (e daí?) e, entre outras coisas, sublinha o facto de "a estimativa da taxa de duplicação do número de mortes ser apenas de cinco dias", além de o Brasil "ser o país com a mais elevada taxa de transmissão" entre 48 avaliados pelo Imperial College de Londres, conta o "G1" da Globo.
O título surge na sequência do que Bolsonaro disse quando foi questionado pelo número de mortes por covid-19 no país: “E daí? Lamento, mas quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres” (recorde a história AQUI). O trocadilho com Messias deve-se ao apelido: Jair Messias Bolsonaro.
"O Brasil como país deve unir-se para dar uma resposta clara ao 'e daí?' do Presidente", escreveu a revista científica. "Bolsonaro precisa de mudar drasticamente o seu rumo ou terá de ser o próximo a sair."
Os números são alarmantes. O último balanço, disponibilizado pelo Ministério da Saúde brasileiro, refere 9.146 vítimas mortais (1.394 num só dia), sendo que há 570 óbitos investigados, e mais de 135 mil casos identificados de covid-19 no país, numa altura em que ainda não se adivinha um abrandamento do surto no território, onde carecem medidas restritivas. E os sinais do que estará por vir não caminham na direção ideal: há quatro estados e oito capitais que registam mais de 90% de ocupação das camas de cuidados intensivos, contava na quinta-feira a "Folha de São Paulo".
De acordo com o diário brasileiro, Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará e Roraima representam atualmente os casos mais graves naquele território, variando entre 93% e 100% a taxa de ocupação nas unidades de cuidados intensivos. Roraima é mesmo o caso mais grave, sem vagas nos cuidados intensivos. O último balanço do Ministério da Saúde referia ainda que 400 pessoas esperam uma vaga nas unidades de cuidados intensivos dos hospitais brasileiros.
O governo perdeu ainda a batalha na busca e aquisição de ventiladores, conta este artigo do “G1”. O Ministério da Saúde só conseguiu garantir 22% dos equipamentos previstos para abril. De acordo com aquela publicação, as duas empresas brasileiras contratadas, na sequência do falhanço comercial com a China, deveriam ter entregue 2.240 ventiladores: o executivo apenas recebeu 487. Foi Nelson Teich, ministro da Saúde, que deu conta desses dados.
"Cara, desculpa, na humanidade não pára de morrer gente"
À crise sanitária juntou-se a crise política. Depois da saída do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, por divergências com o Presidente pela mensagem e abordagem ao novo coronavírus, saiu Sergio Moro, o ministro da Justiça muito popular (protagonista na ‘Lava Jato’), num caso sem associação à pandemia. Moro acusa Bolsonaro de intromissão política, que ganhou a expressão máxima ao mudar a chefia da Polícia Federal do Rio de Janeiro.
Mas há outro episódio da política brasileira a dar que falar. Trata-se do “chilique” de Regina Duarte, a reputada atriz brasileira que hoje é secretária especial da Cultura do Brasil. Em entrevista à CNN Brasil, Regina Duarte desvalorizou a ditadura e a tortura, assim como as mortes que daí resultaram. “Cara, desculpa, na humanidade não pára de morrer gente. Se você falar de vida do lado tem morte. (...) Stalin, quantas mortes. Hitler, quantas mortes. (...) Não quero arrastar um cemitério de mortos nas minhas costas, sou leve, ‘tô viva, estamos vivos. Vamos ficar vivos. Porque olhar para trás? Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões.”
A entrevista começou praticamente com uma pergunta sobre a eventual demissão da secretária. O “chilique” aconteceu quando foi colocado no ar um vídeo da atriz Maitê Proença a pedir soluções para a classe, no âmbito da pandemia, e aí a secretária especial da Cultura irritou-se: "O que você ganha com isso? Quem é você que está desenterrando uma fala da Maitê [Proença] de dois meses atrás? Eu não quero ouvir, ela tem o meu telefone. Eu tinha tanta coisa para falar, vocês estão desenterrando mortos", disse colocando fim à entrevista, mesmo depois de informada de que o vídeo era do dia. A comunidade artística criticou a postura de Regina Duarte, conta aqui a “Folha de São Paulo”.
"Fiquei chocado quando na entrevista você simplesmente achou normal as mortes e chancelou a tortura”, disse na ressaca da entrevista Walcyr Carrasco, autor de novelas (“Xica da Silva”, por exemplo). “Dói mais e mais vê-la assim. Que aconteceu com você, Regina?"