Há um prejuízo menos óbvio causado pelo facto de grande parte dos aviões permanecerem em terra, por força do novo vírus. Fornecedores de dados cruciais para o preenchimento dos modelos matemáticos que as permitem, as previsões meteorológicas vão sofrer com a não recolha de informações relativas a aspetos como temperatura, pressão, vento e humidade, alertou a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Em causa está um volume de observações na ordem das muitas centenas de milhar, todos os dias, sublinhou ao Expresso Pedro Miranda, professor de Meteorologia da Facludade de Ciências da Universidade de Lisboa. Há já várias décadas que os aviões as recolhem, fornecendo um retrato precioso sobre o estado da atmosfera.
Não são as únicas informações a alimentar os modelos numéricos de previsão, mas são particularmente importantes, explicou Pedro Miranda. Porque se é certo que existem as estações meteorológicas, os mais tradicionais balões atmosféricos, os incontornáveis satélites e instrumentos como radares, entre outros, as leituras a bordo fazem medições diretas e alcançam zonas da atmosfera onde é difícil (ou impossível) aceder.
Alfredo Rocha, professor de Meteorologia e Clima do Departamento de Física da Universidade de Aveiro, detalha. “Os aviões permitem o acesso a muitas das principais variáveis meteorológicas”, em tempo real e não acessíveis a partir da terra. Sim, falamos de “altitude”, mas também do acesso a zonas de oceano. A isto acrescenta Pedro Miranda a possibilidade de fazerem leituras diretas sobre vento. “Os satélites fornecem as observações mais importantes, mas de forma indireta, por fotografia, sabendo-se que no caso do vento” este não é o melhor método.
A ideia a reter é que um modelo prevê o futuro a partir de uma situação inicial conhecida. Logo, quanto melhor for conhecido o ponto de partida, melhor para a antevisão a desenvolver. Não há apenas um modelo, mas Portugal segue o chamado ´modelo europeu´, ligado ao Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (ECMWF), que além de ser um centro de investigação, é também um centro operacional a funcionar 24 horas por dia.
É aqui que é produzido um modelo numérico de previsão global, mas também outros dados para os Estados Membros, Estados Cooperantes e para a comunidade em geral. Os dados obtidos pelos aviões – que Alfredo Rocha sublinha respeitarem “procedimentos muito bem estabelecidos, para salvaguardar a sua uniformidade” – não alimentam apenas o modelo europeu. Ficam disponíveis para integração noutros modelos de previsão, como o americano ou o japonês, embora o europeu seja reconhecido pelos especialistas como o mais fiável.
Ricardo Deus, responsável pela divisão do clima e alterações climáticas do Instituto do Mar e da Atmosfera, fala de um funcionamento em rede, em que todos os participantes fornecem as suas observações aos centros que depois as operacionalizam, deixando-as disponíveis para todos os países.
Segundo a OMM, os dados recolhidos pelos aviões e transmitidos em tempo real sofreram reduções de quase 90% em algumas regiões. Daí a organização querer agora perceber se as previsões de curto prazo foram afetadas.
Como ´plano B´, para garantir mais observações, o IPMA passou a lançar balões atmosféricos duas vezes por dia, quando o normal é apenas uma. Estão a ser lançados em Lisboa e nas Lajes, nos Açores, uma solução de recurso que é uma marcha-atrás sob o ponto de vista cientifico.
Quanto aos dados dos aviões, uma mera comparação entre o volume de dados obtidos entre os dias 5 e 6 de maio deste ano e o mesmo período em 2019, fala por si: em 2020 foram 180.000 observações meteorológicas provenientes de todos os vôos em 24h; em 2019 estas somaram 800.000, ou seja, 4.5 vezes menos.