Coronavírus

Mais um mistério da covid-19: há doentes com baixos níveis de oxigenação no sangue, mas sem sintomas

Os médicos estão a chamar-lhe “hipóxia feliz” ou “ hipóxia silenciosa” e não sabem, por enquanto, explicar o fenómeno. Normalmente, um nível de oxigénio abaixo de 75% implica, no mínimo, a perda de consciência. Vários casos estão a ser relatados de doentes infetados, com níveis ainda mais baixos, mas aparentemente bem

STR/Getty Images

Os médicos não o conseguem explicar, mas a condição foi detetada por vários e em diversos países, às vezes em contextos clínicos em nada relacionados com a covid-19. Doentes com baixa saturação de oxigénio no sangue – na verdade com níveis normalmente fatais ou, no mínimo, causadores de perda de consciência – continuavam aparentemente bem, sem dificuldaedes para respirar ou qualquer sinal de aflição.

O médico Richard Levitan foi um dos que descreveu casos do género. Ao “The New York Times”, relatou a sua experiência no hospital Bellevue, em Nova Iorque. Em alguns pacientes esta “hipóxia feliz” ou “hipóxia silenciosa”, como está a ser chamada, foi detetada depois de estes terem dado entrada por situações como esfaqueamentos ou acidentes de viação.

Os exames realizados permitiram diagnosticar a infeção pelo novo coronavírus, mas apesar de terem pneumonia e níveis baixos de oxigénio, estes doentes pareciam bem. Alguns “apresentavam uma respiração rápida”, mas não mais do que isso, relatou Levitan.

Também um estudo liderado pelo anestesiologista Luciano Gattinoni, da Universidade de Göttingen, na Alemanha, descreve a hipóxia silenciosa como algo comum entre os pacientes com Covid-19 analisados. É preciso perceber exatamente como o novo vírus ataca os pulmões, para se avaliar se existem maneiras mais eficazes de tratar estes doentes, sublinham os especialistas.

Para melhor se entender o que está em causa, uma pessoa saudável regista uma saturação de oxigénio de pelo menos 95%. Nos casos relatados, os níveis medidos ficavam pelos 80 ou 70%, ou mesmo leituras inferiores a 50%.

O normal é que, à medida que o fornecimento de oxigênio diminui, o coração, o cérebro e outros órgãos vitais são colocados em risco – com o efeito a ser considerado cumulativo. Normalmente, os pacientes perdem a consciência abaixo de uma saturação de oxigênio de 75%.

"É intrigante”, confirmou Jonathan Bannard-Smith, do serviço de cuidados intensivos e anestesia da Manchester Royal Infirmary. “Normalmente, este fenómeno não acontece nos casos de gripe ou de pneumonia comunitárias”, disse ao “The Guardian”. “Não percebemos se o organismo desenvolve algum tipo de compensação", afirmou ao mesmo jornal Mike Charlesworth, anestesista do hospital Wythenshawe em Manchester.

Charlesworth, a quem foi diagnosticada covid-19 em março, acredita que ele mesmo passou por uma situação parecida. Depois de ficar doente, com tosse e febre, esteve de cama 48 horas e durante esse período teve sinais de estar hipóxico. “Enviei mensagens muito estranhas no meu telemóvel. Olhando para trás, acho que estava a delirar. Devia ter sido internado. Tenho a certeza de que os meus níveis de oxigénio estavam baixos. A minha esposa comentou que os meus lábios estavam muito escuros”. Acabou, no entanto, por recuperar, sorte que tem consciência de não acontecer sempre. Na maior parte dos casos detetados, o desfecho não foi positivo.

Será precisa mais investigação para que se entendam os casos relatados. É provável que o inchaço e a inflamação nos pulmões dificultem a entrada de oxigênio na corrente sanguínea, havendo também evidências cada vez maiores de que a covid-19 pode provocar a coagulação do sangue. Os vasos existentes nos pulmões, que recolhem o oxigénio e o transferem para a corrente sanguínea, são tão pequenos que podem ficar bloqueados com o menor coágulo, referem os médicos.