Coronavírus

“Espero que nos voltemos a encontrar.” Enfermeiro Luís conta como foi cuidar de Boris Johnson

“Parece que agora sou uma espécie de celebridade em Portugal”, diz Luís Pitarma, o enfermeiro português a quem Boris Johnson agradeceu publicamente. Pouco depois, ligaram-lhe António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. Tudo este reconhecimento, diz, “é ótimo” para o trabalho dos profissionais de saúde portugueses no Reino Unido

Aaron Chown - PA Images/ Getty Images

Luís Pitarma ia entrar mais uma vez no turno da noite. É enfermeiro no Hospital St Thomas, em Londres. Pouco antes de pegar ao serviço, o chefe ligou-lhe: o primeiro-ministro britânico, infetado com o novo coronavírus, estava a piorar e teria de ser transferido para a unidade de cuidados intensivos. E Luís, português de 29 anos, foi destacado para acompanhar Boris Johnson. Tremeu com a responsabilidade, ficou nervoso. Não sabia bem o que fazer, nem como se dirigir àquele doente.

“Deveria chamar-lhe Boris, Mr. Johnson ou primeiro-ministro? O que o meu chefe pediu foi para agir com normalidade e tratá-lo como qualquer outra pessoa internada no hospital”, descreve Luís Pitarma numa nota difundida pelo NHS (serviço de saúde britânico) para as redações. Boris Johnson haveria depois de lhe pedir que o tratasse apenas pelo primeiro nome. E tudo ficou mais fácil - e muito menos formal - para Luís.

O enfermeiro português foi um dos dois profissionais de saúde que Johnson, no dia em que teve alta hospitalar, destacou num vídeo de agradecimento ao Serviço Nacional Saúde. “Não há palavras para expressar a minha gratidão”, ouve-se Johnson dizer e, em seguida, enumera os nomes de vários médicos, enfermeiros e auxiliares com que se cruzou. Por fim pede permissão para destacar dois: a Jenny, da Nova Zelândia, e o Luís, de Portugal (“perto do Porto”, aponta o líder do Governo britânico). O obrigado público foi também entregue em privado e o chefe do Executivo falou com Luís e agradeceu-lhe.

“Não tenho palavras para descrever o que senti quando vi o vídeo. Deixou algo emocionado. Fiquei mesmo surpreendido e feliz. Em momento algum pensei ter aquele destaque”, conta Luís. “Senti-me extremamente orgulhoso que alguém como ele tenha reconhecido a qualidade do meu trabalho. Fiquei muito feliz com as palavras, foram muito simpáticas.”

A fachada do hospital onde Johnson esteve internado e onde trabalha Luís Pitarma
Ollie Millington/Getty Images

Durante três noites - “quando as coisas poderiam ter dado para o torto”, referiu Johnson -, Luís seguiu o primeiro-ministro britânico nos cuidados intensivos. “Conversamos algumas vezes, incluindo sobre o local de onde sou. Contei-lhe que era o meu sonho trabalhar no St. Thomas desde do primeiro dia que comecei a estudar para ser enfermeiro em Portugal, em 2009, quando soube da ligação de Florence Nightingal [considerada uma das fundadores da enfermagem moderna] ao hospital.”

“Espero que nos voltemos a encontrar, quando ele estiver totalmente recuperado”, acrescenta.

Pouco depois do vídeo ser divulgado e difundido nas redes sociais nas redes sociais no domingo de Páscoa, Marcelo Rebelo de Sousa entrou em contacto com português. Telefonou-lhe e convidou-o para visitar o Palácio de Belém da próxima vez que regressar a Portugal. “Foi surreal, mas claro que fiquei muito orgulhoso de receber aquela chamada. Agradeceu-me pelo trabalho, por ser enfermeiro e por estar a representar o país”, relata Luís, lembrando que lhe faltavam as palavras para responder.

Pouco depois, o telemóvel voltou a tocar e mais uma chamada inesperada: António Costa. “Receber agradecimentos do primeiro-ministro e do Presidente de Portugal em apenas algumas horas, não conseguia acreditar no que estava a acontecer. Aparentemente sou uma espécie de celebridade agora. E isso é ótimo para que haja mais reconhecimento dos enfermeiros que estão no Reino Unido.”

Luís é de Aveiro e trabalha neste hospital londrino há quatro anos, onde, desde outubro, pertence ao programa de oxigenação por membrana extracorporal (ECMO), uma procedimento aplicado em situações de insuficiência respiratória. Foi também esta especialização que fez com que se cruzasse com Boris Johnson nos cuidados intensivos, quando o primeiro-ministro britânico piorou devido à covid-19.

Estudou na Escola Superior de Enfermagem e, durante esse período, fez parte do programa Erasmus, tendo estado em intercâmbio na Universidade de Ciências Aplicadas, em Lahti, no sul da Finlândia. Alguns meses depois do fim da licenciatura, Luís mudou-se para o Reino Unido e, em 2014, começava a trabalhar como enfermeiro no Hospital Universitário Luton e Dunstable, também do serviço nacional de saúde, em Luton, nos arredores de Londres. Ali permaneceu por dois anos, até passar para o Hospital de St. Thomas. Entretanto preencheu o currículo com vários cursos e formações na área dos cuidados de saúde em instituições como o centro académico de King's Health Partner, na Universidade de London South Bank e, mais recentemente, no Royal Free Hospital, uma das unidades de saúde de referência para o ensino.