Do Peru e do Equador. De Bogotá, Cali ou Bucaramanga. Atravessando fronteiras fechadas, caminhando pelas mesmas estradas que percorreram em sentido contrário ou em autocarros dispoibilizados pelos governos que antes os recusavam. Milhares de venezuelanos empreenderam o regresso do êxodo, fugindo de uma pandemia para se lançarem nos braços de outra. Emigrantes e refugiados que procuraram escapar à derrocada revolucionária e regressam ao seu país, porque agora já não conseguem sobreviver nos seus territórios de acolhimento.
O primeiro milhar, chegado no sábado passado em autocarros ou a pé, atravessou a fronteira em pequenos grupos, após terem sido desinfetados. No lado venezuelano efetuaram-lhes testes, segundo o Governo, e foram confinados. Desde então, informou ao Expresso a Rede Humanitária da Fronteira, têm-se somado novos contingentes, cerca de mil indivíduos por dia. Todos temem a chegada em massa dos que vêm a fugir outra vez.
Tal é o êxodo de ida e volta dos párias da América Latina, a quem, após cruzarem a fronteira, esperam 14 dias de confinamento em escolas e terminais, sob recolher obrigatório, sem luz nem água. Dormindo no chão e com os lavabos em ruínas. Amontoados entre os protestos dos vizinhos, em condições infra-humanas e com os guerrilheiros colombianos do Exército de Libertação Nacional (ELN), aliados do regime chavista, a imporem a lei em conivência com os agentes governamentais. Perseguidos pela fome e rondados pela covid-19.
De momento são 5000 do lado venezuelano, mas o rosário é interminável. A primeira vaga vinda do Peru chega por estes dias à fronteira, mas outra vaga está a formar-se, após o anúncio do Presidente colombiano, Iván Duque, de que a quarentena irá prolongar-se, em princípio, até ao fim do mês. O gotejar da semana passada converteu-se numa torrente constante. Entre a Colômbia, o Equador e o Peru vivem cerca de três milhões, dos mais de cinco milhões de venezuelanos da grande diáspora.
“Não temos culpa do que está a acontecer no mundo”
Muitos queixam-se de terem sido expulsos das suas casas arrendadas e de alojamentos pagos ao dia. Perderam os empregos e não conseguem sobreviver a vender nas ruas.
“Venho do Peru, fui apanhado lá pelos serviços de imigração. Levaram-me sem me dizerem nada, sem motivos nem respostas. Sem direito. Deixaram-me na fronteira do Equador. Do Equador fomos para Bogotá, na maior dificuldade, sem nenhum tipo de recurso. E de lá para cá, pasando roncha [pasando muito mal]. Éramos 600, cada um chegou à fronteira como pôde. Não temos culpa do que está a acontecer no mundo”, queixa-se Manuel Rengifo, de 21 anos, que anda há dias a caminhar e a apanhar colas (boleias).
Estamos perto do limite fronteiriço, um regresso ao passado deste jovem que já por aqui passara vindo de Santa Teresa, a uma hora de Caracas. Para sua desgraça, em Lima conseguira certa estabilidade económica, graças ao seu carrinho de comida rápida. Agora caminha de mochila às costas, tendo uma máscara desfiada como principal proteção. Uma imagem que se repete ao longo da fronteira e se multiplica ao longo do trajeto. Os venezuelanos refugiam-se em qualquer lado, seja nos parques de Bucaramanga ou nos coliseus de Pamplona.
Jorge Luis Bastidas (34 anos) e Ruth Rivero (28 anos) vêm à frente de um grupo familiar de 13 pessoas, que inclui seis crianças. “Muitos queixam-se de que lhes tiraram o trabalho e os arrendamentos, mas os nossos patrões disseram-nos que nos aguardam mal acabe a pandemia. Espero que em Carabobo [estado central da Venezuela] consigamos viver da terra”, resume Bastidas.
“Custa-me muito ir embora”, reconhece Énder Pérez (28 anos), depois de três anos em Bucaramanga. Todos fazem fila na rua esperando que o corredor humanitário volte a abrir-se para passarem para o outro lado.
Braços abertos e pedras na mão
“São vítimas de xenofobia e fascismo. Aqui abrimos-lhes os braços”, clamou Nicolás Maduro antes de ordenar o confinamento dos regressados. “São tratados como animais. Uma vez mais o regime troça dos cidadãos, a única coisa que lhe interessa é fazer propaganda com aqueles que hoje voltam em busca de um teto”, respondeu o partido da oposição Primeiro Justiça.
“As pessoas estão assustadas, porque não acreditam nos protocolos do Governo. Num bairro perto da Unidade Educativa Libertadores da América, os moradores saíram para as ruas e fecharam-nas com árvores e pedras, para que não entrassem no liceu. Não é uma ação contra os compatriotas, mas querem que o Governo envie os emigrantes para os seus estados em vez de permanecerem aqui”, revelou ao Expresso o dirigente local Carlos Chacón.
Três liceus, a alfândega e o terminal acolhem de forma provisória os emigrantes. “Amontoados, sem água potável, sem medidas de proteção, sem distância de separação. Alguns dormem em colchões, outros no chão. A comida é muito escassa, já apresentam problemas de estômago. As casas de banho estão em ruínas. Umas condições paupérrimas. Uns quantos já conseguiram fugir”, acrescentou Chacón.
“São campos de concentração onde mantêm milhares de venezuelanos na fronteira, maltratados e ameaçados”, sentenciou a deputada exilada Gaby Arellano.