Coronavírus

Covid-19. Presidentes de parlamentos da UE escrevem a Centeno: querem mecanismos de ajuda comuns e “soberania industrial”

É preciso uma espécie de fábrica comum para que os Estados-membros não fiquem dependentes das importações em alturas tão críticas quanto esta. Eis um dos pedidos mais importantes feitos pelos presidentes de dez parlamentos e senados europeus ao presidente do Eurogrupo, Mário Centeno através de uma carta a que o Expresso teve acesso. A palavra coronabonds não aparece, mas fica claro que os dez signatários da carta consideram os mecanismos comuns de ajuda financeira a única forma de preservar os pilares solidários da UE
Sean Gallup/Getty

O que pedem é, num brevíssimo resumo, união entre os países da União. Numa carta ao presidente do Eurogrupo, Mário Centeno (que também chegou ao presidente do Parlamento Europeu, ao presidente do Conselho Europeu, à presidente da Comissão e ao Banco Central Europeu), dez presidentes de dez câmaras legislativas europeias (senados e parlamentos) pedem que a União Europeia (UE) se una financeira e politicamente para fazer face a esta crise, cujas consequências, mesmo sem serem conhecidas na totalidade, já são consideradas como não tendo paralelo na memória recente.

De fora ficaram expressões que assustam: não se pedem coronabonds nem sequer “mutualização da dívida”, mas é desses mecanismos que se fala quando se fala de suportar entre todos o peso de uma catástrofe económica que pode superar em muito a de 2008.

Virados para o futuro, estes dez signatários dizem a Centeno, também ministro das Finanças de Portugal, que o êxito dos próximos anos está diretamente ligado à capacidade dos países de assegurar as despesas que necessariamente vão suportar durante esta crise. “É importante garantirmos que os nossos países possam suportar, de forma sustentável, o financiamento a longo prazo das medidas necessárias à luta contra os danos causados por esta pandemia.”

Colmatar escassez de equipamento

Essa forma sustentável passa por uma solução universal: os subscritores da carta defendem “o uso de instrumentos financeiros ou de um fundo solidário emitido por um órgão europeu para que se possam reunir os fundos e o investimento necessários de que todos os Estados-membros possam beneficiar”.

Outra das partes importantes da carta, a que o Expresso teve acesso, é o pedido em uníssono de “soberania industrial europeia”, para fazer face à escassez de equipamento médico que tem afetado quase todos os Estados-membros, forçando-os a importar testes, máscaras, ventiladores, nomeadamente da China.

O facto de Espanha ter compradotestes de má qualidade, precisamente à China, deixou muita gente com medo de que a UE esteja sujeita à entrada de produtos que não cumprem os níveis de qualidade que um cidadão europeu espera. “É essencial desenvolvermos uma estratégia para a soberania industrial comum, especialmente para podermos produzir bens essenciais no ramo da saúde pública”, escrevem os dez chefes de parlamentos e senados.

“A enorme escala de recursos accionados para este fim [combate ao vírus] por outros países deve encorajar-nos a preparar uma resposta coordenada, de forma a evitar que a UE como um todo acabe menos equipada que precisa de estar.”

Palavras como “ajuda”, “solidariedade” e “mobilização” permeiam todo o texto. Assinada não por chefes de Estado ou Governo, mas por presidentes de câmaras legislativas nacionais, tantas vezes deixadas de fora do processo legislativo da UE, esta carta esforça-se por mostrar aos países que este vírus pode destruir a UE se os lemes não estiverem todos alinhados.

“O risco de tantos empregos perdidos, o fecho definitivo de tantos negócios e a marginalização progressiva de grandes fatias da população são realidades óbvias desde já — e são estas sensações de insegurança e frustração, consequências do acima descrito, que podem minar as fundações dos nossos sistemas democráticos”, escrevem.

O grupo de dez presidentes finaliza pedindo a Centeno atenção às vontades dos parlamentos, mais inclusão das vozes nacionais nas decisões comunitárias e “partilha, solidariedade e cooperação”, precisamente “os pilares que inspiraram a criação da UE”.

Costa assinou carta semelhante

A pressão já começara no fim de março: nove países europeus reuniram-se e pediram sem meias-palavras a emissão de dívida conjunta, uma ferramenta financeira que depressa ficou conhecida como coronabonds, palavra decalcada no nome da pandemia que está a unir alguns países da UE à volta de uma estratégia comum mas, ao mesmo tempo, tem servido para mostrar as fissuras que continuam a dividir a UE.

Na altura, nove líderes europeus, entre eles António Costa, numa carta ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, quiseram deixar claro o este desastre financeiro à espreita só se poderia solucionar através da mutualização da dívida. Além do primeiro-ministro português, assinam a carta o presidente francês Emmanuel Macron; os primeiros-ministros espanhol, Pedro Sánchez; italiano, Giuseppe Conte; belga, Sophie Wilmès; grego, Kyriakos Mitsotakis; luxemburguês, Xavier Bettel; esloveno, Janez Janša; e irlandês, Leo Varadkar.

A carta endereçada a Centeno é firmada pelo presidente do Senado francês, Gerard Larcher; o presidente do Parlamento grego, Constantine Tassoulas; a presidente do Senado italiano, Maria Elisabetta Aberti Casellati; e o da Câmara dos Deputados do mesmo país, Roberto Fico; o presidente da Câmara dos Deputados luxemburguesa, Fernand Etgen; o presidente da Assembleia da República de Portugal, Eduardo Ferro Rodrigues; o presidente da Assembleia Nacional eslovena, Igor Zorčič; e a do respetivo Conselho Nacional, Alojz Kovšca; a presidente do Congresso de Deputados espanhol, Meritxell Batet; e a presidente do Senado do país vizinho, María Pilar Llop.