Número de chamadas para a linha telefónica do SNS24, número de testes realizados, informações sobre os doentes internados, sobre os sintomas de todas as outras pessoas que estão infetadas com covid-19, números de profissionais infetados. A lista é longa, não termina por aqui, estes são apenas alguns exemplos de dados a que cientistas e investigadores querem ter acesso, tendo já feito um pedido ao Governo português nesse sentido.
No debate quinzenal da semana passada, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou que a Direção-Geral da Saúde vai “muito brevemente passar a libertar” todos esses dados, anónimos, “de forma a permitir o acesso livre por todas as equipas de investigação nas mais diferentes áreas”, mas tal ainda não aconteceu, diz ao Expresso Carlos Oliveira, Conselheiro do European Innovation Council. É um dos signatários da carta enviada ao Governo a apelar à disponibilização desses dados.
“Há vontade política, só falta pôr em prática a medida”, sublinha o também antigo Secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação. A disponibilização destes dados de saúde pública é uma das medidas que consta do decreto de renovação do estado de emergência, que entrou em vigor esta sexta-feira. “A Direcção-Geral da Saúde disponibiliza à comunidade científica e tecnológica portuguesa o acesso a microdados de saúde pública relativos a doentes infectados pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 e a pessoas com suspeita de covid-19”, lê-se no artigo 39.º do decreto.
“Todos os dias vemos gráficos que são feitos à custa de dados pouco claros”
Mas qual a importância dessa medida? “O acesso a esses dados permitirá aos investigadores ajudar o Governo na definição de políticas públicas para travar a doença ou aplicá-las na fase que se seguirá à pandemia”, explica Carlos Oliveira, que foi também Secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação. Numa altura em que “são limitados os recursos do Estado para lidar com a situação, há muitos cientistas e investigadores que estão disponíveis para colaborar”, diz ainda, chamando a atenção para outro aspeto: “Todos os dias vemos gráficos na Internet e nas redes sociais sobre a evolução da curva epidémica, que são feitos à custa de dados pouco claros ou desatualizados, e a disponibilização dos dados para toda a comunidade científica evitaria isso”.
Não só evitaria isso como abriria caminho para todo uma “panóplia de análises e estudos”. Com base no número de pessoas infetadas “podia perceber-se como é que o vírus se está a propagar nas diferentes regiões e hospitais do país e atuar aí de uma forma diferenciada”. Também a informação sobre os sintomas da doença seria útil porque permitiria, por exemplo, “extrair padrões, ver se há diferenças regionais, se há cadeias de transmissão”.
Carlos Oliveira entende que possa haver alguma resistência ou “desconforto” face à divulgação de todos estes dados, “que podem mostrar que, de facto, o país não estava preparado para isto, tal como nenhum estava”. “Certamente não terá agradado a Boris Johnson [primeiro-ministro britânico] as conclusões do estudo do Imperial College, de Londres, que mostrou que iriam morrer centenas de milhares de pessoas se fosse mantida a mesma estratégia, mas ele percebeu que tinha de optar por outras medidas. Não se pode ter medo do conhecimento e dos dados”, diz, garantindo, ainda assim, que a intenção dos investigadores não é apurar responsabilidades. “É preciso perceber que isto é mesmo uma guerra. E que há aqui um batalhão de soldados, que são os cientistas e investigadores, que podem rapidamente começar a trabalhar em prol do bem comum e ajudar o Estado. O nosso espírito é de ajuda.”