Coronavírus

Coronabonds. Divergências no Governo holandês sobre declaração que Costa classificou como “repugnante”

Dois líderes da coligação que governa os Países Baixos demarcam-se claramente das declarações do primeiro-ministro e do ministro das Finanças. Centeno avisa que o modo como a UE lidar com o “fardo comum” determinará “a coesão da Zona Euro”. Um grupo de políticos italianos acusa a Holanda de “egoísmos nacionais mesquinhos” e recorda a Alemanha do seu passado nazi

Wopke Hoekstra, ministro holandês das Finanças
Goncalo Silva/NurPhoto/Getty Images

Há algo de podre no Reino da Holanda: esse parece ser o pensamento de dois dos quatro líderes cujos partidos formam a coligação do Governo de Mark Rutte. O líder da União Cristã (CU), Gert-Jan Segers, apelou a um “Plano Marshall” para o sul da Europa, juntando-se assim a Rob Jetten, dos liberais do D66, que já exortara o país a mostrar solidariedade com os seus parceiros da União Europeia (UE), escreve esta terça-feira o jornal “Financial Times”.

Na semana passada, o ministro das Finanças, Wopke Hoekstra, defendeu que a Comissão Europeia devia investigar países como Espanha, que dizem não ter margem orçamental para responder ao impacto da crise provocada pelo coronavírus covid-19. Por sua vez, o primeiro-ministro, Mark Rutte, rejeitou qualquer emissão conjunta de dívida europeia: “Não consigo prever nenhuma circunstância em que os Países Baixos concordassem com eurobonds.”

As vozes dissonantes relativamente à declaração de Hoekstra, que o primeiro-ministro português, António Costa, apelidou de “repugnante”, chegam agora do interior da coligação governativa holandesa, que, além do CU e do D66, incluem o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, de Rutte) e o Apelo Democrata-Cristão (CDA, de Hoekstra).

A carta de Centeno

O presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, escreveu esta segunda-feira uma carta aos ministros das Finanças, advertindo que o modo como a UE lidar com o “fardo comum” determinará “a forma e a extensão da recuperação e, em última análise, a coesão da Zona Euro”. “É agora claro que abordar esta questão é uma prioridade”, acrescentou o ministro português das Finanças na missiva a que o Expresso teve acesso.

“O custo orçamental será proporcional a este choque colossal. Inevitavelmente, todos sairemos desta crise com níveis de dívida muito maiores”, referiu, sublinhando que “este efeito e as suas consequências duradouras não devem tornar-se uma fonte de fragmentação”. Centeno propõe acelerar a possível mobilização do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o fundo de resgate da Zona Euro. O português admite que para chegar a um consenso é preciso explorar formas de usar os instrumentos que já existem. No entanto, acrescenta que o Eurogrupo deverá também considerar alternativas, mantendo a porta aberta ao debate difícil sobre os coronabonds.

O Eurogrupo reúne-se na próxima terça-feira, 7 de abril, num formato alargado que inclui os 27 ministros das Finanças e não apenas os da moeda única. O objetivo é “fazerem propostas antes da Páscoa”, precisou o presidente do Eurogrupo, frisando que todas elas terão de ser “proporcionais aos desafios que enfrentamos, agora e no curto prazo”. Centeno afirmou igualmente que está “pronto para discutir” os contributos e novas propostas que venham a ser feitas pela Comissão Europeia.

O anúncio de jornal

Além da Holanda, a aprovação dos chamados coronabonds tem tido a resistência da Áustria, da Finlândia e da Alemanha. Em Itália, o país europeu mais afetado pelo coronavírus, um grupo de autarcas e o eurodeputado Carlo Calenda, antigo ministro do Desenvolvimento Económico nos governos de Matteo Renzi e Paolo Gentiloni, pagaram um anúncio de uma página no jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung”. Nele, apelam aos eurobonds, acusam a Holanda de “falta de ética” e de “egoísmos nacionais mesquinhos” e recordam a Alemanha do seu passado nazi. “A memória ajuda a tomar as decisões certas”, escrevem.