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Coronavírus

Covid-19. No momento de nascer: pai presente, pai ausente? Depende da maternidade

Enquanto não existe uma norma da DGS, cada maternidade adota diferentes medidas para se proteger da covid-19. Algumas chegam a proibir a entrada do pai do recém-nascido no edifício

Nuno Botelho

O Ministério da Saúde promete para breve uma norma de atuação das maternidades para vigorar durante o estado de emergência. Até lá, as maternidades adotam medidas próprias e diferentes entre elas.

Em Coimbra, nas duas maternidades - Daniel de Matos e Bissaya Barreto - as ordens foram as de proibir o acesso aos acompanhantes das grávidas no momento do parto, no sentido de prevenir possíveis contágios. O mesmo sucedeu, por exemplo, na Maternidade de Santa Maria da Feira.

No caso da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, o acesso ao acompanhante é concedido, mas “apenas a esse, sem outras visitas”, apurou o Expresso, tal como acontece no Hospital de São João, no Porto.

“O ideal seria testar de forma rápida todos os que entram nas maternidades”, defende Nuno Clode, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia, até porque “para a mulher, a presença do companheiro é sempre muito importante”.

Não sendo possível fazer testes a todas as grávidas e acompanhantes, a adoção de medidas “está sempre dependente das características físicas de cada sítio”, adianta o obstetra. Há maternidades com circuitos que permitem aos pais estarem mais resguardados do que em outras, e por isso também as estruturas privadas têm aplicado medidas distintas.

E no sector privado?

Tal como Coimbra e Feira, também o Hospital dos Lusíadas proíbe a presença de um acompanhante durante o parto. “Como é evidente”, exclama o obstetra Luís Graça. “Aquilo que é a satisfação de ver nascer um filho não deve ser superior à contenção que se deverá ter numa pandemia destas”.

O antigo diretor de obstetrícia do Hospital de Santa Maria percebe que as instituições possam ter atitudes diferentes, mas, para ele, a "atitude básica" deve ser esta: "nos blocos de partos a entrada do pai, do cônjuge ou de seja quem for, deve ser proibida. Em tempo de guerra, não se limpam armas”.

Para travar ainda mais o perigo de contágio, a Direção-Geral da Saúde quer que se realizem mais testes às grávidas e separar 'zonas limpas' e 'zonas sujas' nas maternidades.

No boletim desta segunda-feira, um terceiro elemento juntou-se a Graça Freitas, diretora-geral de saúde, e António Lacerda Sales, secretário de Estado da Saúde: Carlos Veríssimo, médico obstetra e membro da direção do colégio da especialidade de ginecologia e obstetrícia da Ordem dos Médicos.

Veio com a missão de serenar as normas de atuação médica na gravidez e no parto. “Vamos testar mais”, anunciou, colocando as grávidas como grupo prioritário para despistar a covid-19, ao mesmo tempo em que nas maternidades haverá uma “separação de áreas covid e não-covid”.

Maternidades 'sujas' e 'limpas'

A segunda medida não entusiasma Lúcia Leite, presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros e enfermeira especialista em obstetrícia. Defende que deveria existir uma separação de maternidades “sujas” e “limpas”, já que, justifica, “a maior parte não tem condições para fazer o isolamento adequado”.

Em Coimbra, a existência de duas maternidades permitiu ao Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra implementar essa separação: definiu-se que a maternidade Bissaya Barreto lidaria com grávidas infetadas pela covid-19, enquanto a Daniel de Matos ficaria reservada a grávidas não infetadas. Além do efeito barreira do contágio, a divisão permite uma melhor gestão dos recursos materiais de proteção individual, outra das questões que preocupa Lúcia Leite.

Juntar doentes covid e não-covid na mesma sala de partos é, para a enfermeira da Maternidade de Santa Maria da Feira, ou “gastar equipamento, já que se receberem todos os casos, todos têm de ter o equipamento adequado”, ou “colocar os profissionais de saúde em risco”.

E se a DGS defende o uso de máscara para todos os que entram numa maternidade, sejam grávidas ou acompanhantes, “a verdade é que nem as há para quem lá trabalha”, assegura o obstetra Nuno Clode.

É preciso munir as maternidades de material, até porque “uma grávida em trabalho de parto não é uma pessoa que está quietinha com uma máscara”, o que atribui à prática médica um maior risco, acrescenta Lúcia Leite, para quem as declarações feitas esta segunda-feira pela DGS não foram vistas com bons olhos.

Para se formular esta norma, os enfermeiros especialistas na área da obstetrícia não foram consultados, afinca. "Parece que a saúde em Portugal continua numa lógica médico-cêntrica”.