A pandemia está a criar um novo braço de ferro europeu. Os líderes concordam que é preciso uma resposta europeia para um problema sem precedentes que atinge todos, mas divergem na ambição das medidas e no caminho a seguir. O primeiro-ministro holandês trava a via da mutualização da dívida europeia defendida por vários países, incluindo Portugal.
"Não consigo prever nenhuma circunstância em que os Países Baixos concordassem com Eurobonds", afirma Mark Rutte numa videoconferência de imprensa com correspondentes em Bruxelas, na qual o Expresso também participou.
Questionado sobre o que poderia fazer mudar de ideias e justificar a partilha de risco e a emissão conjunta de títulos de dívida, o holandês deixa claro que não pretende mudar de posição. Argumenta que isso seria ir "contra o desenho o Euro" e implicaria "cruzar a linha" para uma união de transferências não prevista.
"E não somos só nós, vários países estão contra os Eurobonds", diz e repete, para que não restem dúvidas de que a oposição não é exclusiva dos holandeses. Também Alemanha, Áustria e Finlândia partilham o mesmo entendimento. Podem ser uma minoria, mas bloqueiam numa frente que exige unanimidade.
Do outro lado do debate estão Itália, Espanha, França, Bélgica, Portugal, Luxemburgo, Grécia, Eslovénia e Irlanda, para os quais esta é a oportunidade para se trabalhar "num instrumento de dívida conjunta", que seja mais uma linha de defesa perante uma pandemia que pode fazer disparar os juros da dívida e dificultar o acesso aos mercados.
Os nove países partiram para a reunião desta quinta-feira a defender a medida. Na carta enviada ao Presidente do Conselho Europeu, não usam a palavra "coronabonds", mas explicam que o novo instrumento deveria servir para financiar os investimentos necessários para fazer face aos impactos da covid-19 na saúde e na economia.
Segundo António Costa, na videoconferência "houve (mais) quatro que se juntaram" aos nove. No entanto, o consenso está longe de existir: nem para falar de coronabonds, nem sobre a forma de mobilizar o Mecanismo Europeu de Estabilidade, o fundo de resgate da Zona Euro, no contexto da pandemia.
À falta de entendimento, optou-se por um texto que não compromete os mais relutantes, nem trava as esperança dos mais ambiciosos: "convidamos o Eurogrupo a apresentar-nos propostas no prazo de duas semanas", é dito no ponto 14, o mais polémico e que fez arrastar a reunião.
"As propostas deverão ter em conta a natureza inédita do choque provocado pela COVID-19, que está a afetar todos os nossos países, e a nossa resposta será intensificada, conforme necessário, mediante novas medidas tomadas de forma inclusiva, à luz da evolução da situação, a fim de assegurar uma resposta abrangente", adianta ainda a declaração comum do Conselho Europeu.
Itália forçou mudança na declaração
É assim devolvida ao presidente do Eurogrupo a quase-solução que os ministros das Finanças tinham enviado aos chefes de Estado e de Governo. Na reunião de terça-feira do Eurogrupo não houve unanimidade sobre a criação de linhas de crédito de apoio ao combate à pandemia, mas existiu um apoio alargado para se trabalhar nesta opção, adaptando um dos instrumentos nunca utilizados do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), onde estão mais de 400 mil milhões de euros.
E foi precisamente o MEE que provocou a discórdia do parágrafo 14. O primeiro-ministro holandês insistia que o texto incluísse a referência ao Mecanismo Europeu de Estabilidade e às "obrigações decorrentes do seu Tratado", deixando claro que o mandato do Eurogrupo era para trabalhar só nesse âmbito e não noutro. Uma proposta inaceitável para Itália, que continua a pedir que se estudem outras hipóteses, incluindo a mutualização de dívida.
De acordo com o jornal "La Stampa", o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte ameaçou não assinar a declaração final e propôs que os presidentes da Comissão, Conselho Europeu, Parlamento Europeu, Banco Central Europeu e Eurogrupo trabalhassem "numa proposta nos próximos 10 dias". Uma posição seguida por Espanha, confirmam fontes diplomáticas. No final da reunião, também António Costa defendeu que é preciso "recorrer a todos os instrumentos" e não descartar nenhum.
Resultado: saltou fora a referência ao MEE, mas também a menção a que se explorassem outros instrumentos, como os ditos coronabonds.
O problema volta às mãos dos ministros, que terão ainda de encontrar um consenso sobre como e quando se deve mobilizar o fundo de resgate da Zona Euro. Para o primeiro-ministro holandês é claro que deve atuar como "último recurso" e sempre sujeito a condicionalidades. Já os italianos têm defendido que deve ser sem quaisquer condicionalidades.