Coronavírus

Toneladas de material médico estão a chegar a todo o mundo. De onde vem a ajuda que nos pode salvar? E a que preço?

A China, onde começou a pandemia, põe-se ao serviço do mundo no combate ao coronavírus, o que convém, é claro, à poderosa máquina de propaganda interna que o Estado chinês tem montada e bem oleada. A Rússia também envia milhares de máscaras, ventiladores e aparelhos de desinfeção, ocupando um espaço que a UE deixou livre. O importante é que a ajuda chegue, mas a quem vão os países europeus agradecer quando tudo passar?

HECTOR RETAMAL/Getty

Toda a ajuda é pouca e não faltam vozes pessimistas sobre o estado, já antes disto precário, da solidariedade entre nações europeias. Durante os fogos terríveis que há dois anos queimavam sem piedade quilómetros de floresta na Suécia, a reposta do Centro de Coordenação para Emergências da União Europeia foi rápida e reconfortante: a Alemanha enviou cinco helicópteros e 53 bombeiros, Portugal dois aviões especializados no combate ao fogo, a Lituânia um helicóptero, a França e a Dinamarca 60 homens cada e a Polónia ainda mais: 130 bombeiros e 40 camiões de combate ao fogo.

Itália, mesmo a braços com a sua própria época alta de fogos, enviou dois aviões. Na Suécia, as páginas dos jornais mostravam gente emocionada com esta resposta, havia bandeiras da UE nos carros e até algumas nas janelas.

Agora que não é “apenas” o nosso verde circundante que está a morrer, antes cidadãos europeus, a resposta não tem vindo tão pronta do seio da UE e a maioria da ajuda que chega a Itália tem vindo de fora do continente, nomeadamente da China. Dia 12 de março chegou a primeira ajuda: um avião chinês aterrou em Roma com nove médicos especialistas em doenças infecciosas e 30 toneladas de equipamento médico, incluindo material para unidades de cuidados intensivos e medicamentos antivirais.

Reescrever a História

O pedido demorou dois dias a seguir para Itália. Há quem fale de propaganda, mas é pouco provável que os italianos estejam preocupados com as intenções políticas de quem neste momento os ajude. “Vemos autoridades chinesas e meios de comunicação estatais a alegar que a China comprou tempo ao mundo para que este pudesse preparar-se para esta pandemia. Sabemos que a máquina de propaganda da China é capaz de reescrever a História interna e neste momento estamos a ver isso replicado no exterior, disse Natasha Kassam, investigadora do Instituto Lowy em Sydney e ex-diplomata australiana, ao diário “The Guardian”.

É importante referir que a UE vai enviar em breve 20 milhões de euros para o Irão, o país do Médio Oriente mais afetado pelo vírus, provavelmente com maior gravidade do que se sabe, linha de análise que o Expresso já explicou. “Não conseguimos fornecer muita ajuda humanitária, mas há cerca de 20 milhões de euros em andamento que esperamos sejam entregues nas próximas semanas”, disse o chefe de política externa da UE, Josep Borrell, em videoconferência na segunda-feira.

A Venezuela também vai receber ajuda. “Concordamos em apoiar o pedido da Venezuela ao Fundo Monetário Internacional [FMI] para obter apoio financeiro”, disse Borrell na mesma comunicação, que se seguiu à reunião com os ministros de Negócios Estrangeiros da UE, embora sem avançar muitos detalhes.

A Alemanha já está a tentar ajudar, recebendo pacientes franceses e italianos no seu serviço nacional de saúde, um dos mais bem equipados do mundo. O estado mais atingido da Alemanha, a Renânia do Norte-Vestfália, receberá 10 pacientes italianos . A medida, anunciada pelo chefe do governo estadual, Armin Laschet, segue-se à decisão da Saxónia, no leste da Alemanha, de tratar oito pacientes vindos de Itália. Três estados alemães na fronteira com a França também começaram a receber pacientes franceses em pequenos números.

A China está a distribuir ajuda um pouco por todo o mundo, com o foco nos países vizinhos: nas últimas duas semanas desenvolveu e ofereceu testes de coronavírus ao Camboja, enviou ventiladores para França, prometeu ajuda às Filipinas e enviou médicos para o Irão e o Iraque. A ajuda chinesa estende-se a países que, podendo não estar numa situação tão grave como Itália, mesmo assim ligaram a Pequim a pedir ajuda.

Jack Ma abre cordões à bolsa

A Alibaba, maior loja de vendas online do mundo a par com a Amazon, e a Fundação Jack Ma, magnata e ex-presidente da Alibaba, estão envolvidas na ajuda à Bélgica e à Ucrânia, que precisam de testes para detetar o coronavírus. Ao aeroporto de Saragoça, em Espanha, chegou outro avião com material médico comprado pela mesma fundação. Ma, várias vezes multimilionário, vai entregar 1,5 milhões de testes em África, cerca de 20 mil por cada um dos 54 países do continente, segundo a Radio France Internacional.

Do outro lado do mundo, mais precisamente de Cuba, chegou mais ajuda. Há muitos anos que a diplomacia médica é uma arma do país, mas nunca Cuba enviara tantas batas brancas para um país capitalista. A reportagem da agência Reuters em Havana, no dia em que os 52 médicos viajaram para Itália, mostrou um grupo de médicos entusiasmados com a viagem e com os “ideais revolucionários” dos profissionais de saúde cubanos.

“Temos medo, todos temos medo, mas temos o dever revolucionário por cumprir, por isso colocamos o medo de lado. Aquele que diz que não tem medo é um super-herói, e não há super-heróis, há médicos revolucionários como nós”, disse Leonardo Fernandez, intensivista de 68 anos, enquanto se preparava para partir.

Durante o fim de semana mais negro de Itália chegou mais ajuda, de novo de um país “do outro lado” da antiga cortina de ferro: a Rússia. Nove aviões militares cheios de equipamento médico e vários especialistas neste tipo de pandemias aterraram em Roma prontos a ajudar o país europeu que mais tem sofrido com esta crise.

Mais uma vez, a ajuda pode vir com benefícios geopolíticos a longo prazo. Nathalie Tocci, do Instituto de Relações Internacionais de Roma explicou ao “Financial Times” que a Rússia está a explorar os “erros de resposta” da UE nesta crise.

“Especialmente em Itália, onde esta ajuda vai ao encontro de algum euroceticismo criado pela crise financeira, depois pela crise migratória de 2015 e agora pelo coronavírus. É a terceira vez seguida que a UE não consegue demonstrar solidariedade com os seus membros”, acrescenta.

O transporte de equipamentos de proteção, máquinas de desinfeção, ventiladores e peritos foi pessoalmente acordado pelo Presidente Vladimir Putin após um pedido de ajuda do primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte, diretamente pelo telefone, no sábado, 21.

Também nisto a UE perde, principalmente em momentos de urgência: é lenta a dar resposta porque é essa a cadência de um organismo que tem de ouvir 27 vontades próprias.