Coronavírus

"Ansiedade, insónia, e eventualmente irritabilidade". Quais são os efeitos de estar confinado em casa?

Não obstante, é uma medida absolutamente necessária nesta altura, explica um psiquiatra cuja especialidade por acaso são as pessoas que se acham numa idade frágil, onde o isolamento tende a acentuar-se

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O psiquiatra Rui Albuquerque trabalha no hospital Egas Moniz, em Lisboa. A sua especialidade é a psiquiatria geriátrica. Nessa área, é também diretor clínico do Instituto das Irmãs Hospitaleiras, uma IPSS. "A grande retaguarda dos doentes mentais em Portugal são as ordens religiosas, e as Irmãs Hospitaleiras são uma delas", explica ao Expresso.

Na expetativa das medidas que o governo irá decretar esta quinta-feira no contexto do estado de emergência agora aprovado, em particular a obrigação de os cidadãos ficarem confinados nas suas casas, perguntámos-lhe se essa situação pode ter efeitos sensíveis sobre a saúde. Responde que sim, "dependendo do confinamento que for exigido". Começa por distinguir os cidadãos comuns e o pessoal de instituições de saúde, em especial aquelas onde se encontram pessoas muito fragilizadas. O facto de essas pessoas estarem em contacto com cidadãos comuns que continuam a trabalhar pode criar problemas.

"Eventualmente, também alguns profissionais de saúde poderão ter de estar confinados nalgumas instituições de saúde", diz Albuquerque. "Ficarem fora das suas próprias casas, a trabalhar quase 24 horas por dia".

Admite que o risco de infeção desses profissionais é maior do que para o cidadão comum. "As instituições de saúde, em geral, são ambientes mais conspurcados, contrariamente àquilo que possamos pensar. O risco de contrair infeções num hospital, num lar, é francamente superior ao de um centro comercial, porque são locais muito movimentados, com objetos que são frequentemente tocados e mexidos e onde há invariavelmente pessoas com sistemas imunitários mais fracos e que adquirem infeções com mais facilidade". As máscaras usadas pelos profissionais podem reduzir bastante a carga de infeção, mas não eliminam completamente o risco.

"Inventar" tarefas para gastar energia

E quanto aos efeitos do confinamento para os cidadãos comuns? "Depende muito do contexto da pessoa", responde. "Se estiver no seu ambiente familiar, na sua residência, o que se pode prever é algum aborrecimento e alguma dificuldade em ocupar o tempo. Mas muitas pessoas vão ter de trabalhar à distância. E acredito que essas pessoas estejam em vantagem relativamente àquelas que terão de ficar nos seus domicílios sem qualquer atividade".

Por outro lado, há as pessoas com crianças em casa. "É uma tarefa para a qual a população não está propriamente preparada no século XXI. Ocupar o tempo dos miúdos num apartamento, se não tiverem a possibilidade de ir a um jardim nas suas habitações", diz Rui Albuquerque. "O que se prevê? Essencialmente, ansiedade, insónia, e eventualmente irritabilidade".

A insónia, nestes casos, terá a ver sobretudo com uma diminuição da atividade física ao longo do tempo. "Não estamos a falar de exercício físico, que é uma atividade programada, regrada, envolvendo uma modalidade desportiva, mas sim daquilo que todos nós fazemos no dia a dia quando tomamos banho, gesticulamos, esfregamos o cabelo, quando se aspira a casa, quando caminhamos em direção ao transporte público ou ao nosso carro. As pessoas vão estar confinadas a um ambiente, as suas casas, onde o nível de atividade física vai decair forçosamente. O gasto energético de cada pessoa vai diminuir. Ora sabemos que é importante para o regular padrão do sono que haja um certo gasto energético durante o dia. Portanto, é previsível que possam ocorrer perturbações no sono".

Que estratégias se podem usar para minorar estes riscos? "Tentar manter níveis de atividade física próximos dos que seriam os da vida do dia a dia normal", diz. "Inventar tarefas para gastar energia: limpezas e arrumações que se anda há algum tempo para fazer, bem como fazer alguns exercícios que não envolvem sair à rua. Alongamentos, agachamentos, flexões de braços... São estratégias que uma pessoa pode adotar na sua própria casa para ter algum tipo de atividade física e colmatar um sedentarismo que forçosamente vai resultar".

Não às caminhadas

Há países em que só se pode deixar o domicílio num número limitado de situações - para comprar bens essenciais ou ir à farmácia, ou para prestar assistência a pessoas necessitadas - e o cidadão tem de ter um salvo-conduto que justifique a saída. Noutros países, a solução é menos radical. Embora ainda não se conheçam exatamente as medidas que vão ser adotadas em Portugal, Rui Albuquerque é taxativo num aspeto: as pessoas não devem sair de casa para irem fazer caminhadas, mesmo que isso pudesse ser uma forma de aliviar a tensão.

"Não, de todo. Eu sou defensor do exercício físico e do desporto, e sempre pratiquei muito, mas neste momento o meu conselho, mesmo para as pessoas que têm hábitos de prática desportiva ao ar livre, é não sairem de casa."

Porquê? Porque as armadilhas estão em todo o lado, uma vez que em todo o lado se poderá esconder o vírus. "A simples maçaneta da nossa porta poderá ser uma fonte de contágio. O simples facto de a pessoa ir fazer o seu jogging, tropeçar e fazer uma ferida, contactando com uma superfície que não sabe se está contaminada, é um risco".

Em suma, conclui, "o local onde há menos probabilidade de uma pessoa se contaminar é na sua própria casa". E mesmo em casa convém limpar com frequência. "A pessoa pode ir à caixa do correio buscar uma carta, coloca na mesa... As limpezas em casa, independentemente de não haver saídas, têm de se manter".

Os riscos de visitar idosos

E como é que os pacientes, as pessoas dos 65 anos para cima, estão a encarar a crise do coronavírus? Aparentemente, de forma serena. "Ao longo das suas vidas, passaram por adversidades que as pessoas mais jovens ainda não passaram", diz. "Já não estão em idade laboral. As suas vidas já são forçosamente mais calmas, não passam tanto pelas saídas de casa. Noto alguma tranquilidade naquilo que respeita à não-alteração do seu quotidiano".

"Por outro lado, há muita apreensão, e isto é típico das pessoas mais velhas, em relação ao que será dos seus filhos e dos seus netos", acrescenta. "Noto ansiedade e muita preocupação com os seus familiares mais jovens que ainda estão a trabalhar. Como será a vida deles, não só do ponto de vista da saúde como económico, dos seus empregos".

Neste momento, as visitas aos idosos não podem acontecer como habitualmente. "Deve ser proibido", enfatiza Albuquerque. "Se alguma instituição de saúde ainda não proibiu visitas aos idosos, deve proibir. Porque eles são o principal grupo de risco para a infeção e as suas consequências, ou seja, o desenvolvimento da pneumonia, que tem uma mortalidade associada bastante elevada". Qualquer visita envolve um contacto próximo, ainda que não diretamente físico, e nunca se sabe se todos os cuidados necessários foram assegurados. "Naturalmente, o visitante não vai trocar a sua roupa ao entrar na casa da pessoa que está a visitar", explica.

Em termos de saúde mental, que implicações tem esse isolamento acrescido para os idosos? "É complicado", reconhece. "Falando de doentes idosos em lares e outras instituições, conforme eu disse, eles já passaram por muitas coisas ao longo das suas vidas. O foco de ansiedade não é tanto não receberem as visitas, mas por não ficarem a saber com a frequência que desejariam o que se está a passar com os seus familiares lá fora".

Isso pode ser minorado com contactos telefónicos, por exemplo? "Sim. Com telefonemas, com videochamadas... É isso que estamos a tentar implementar na instituição onde me encontro neste momento".