Coronavírus

“Decidimos em função da idade e das condições de saúde, como nas situações de guerra”, diz médico italiano

Com a subida galopante dos casos de infeção, que já ultrapassam os 10 mil em Itália, e o registo de mais 168 mortos num só dia, os médicos italianos veem-se confrontados com vários dilemas. Atualmente, estão a dar prioridade aos pacientes mais novos e saudáveis por serem estes os que têm as maiores probabilidades de sobrevivência. A pressão sobre as unidades de cuidados intensivos tem levado a uma escassez de camas, pessoal médico e ventiladores

Stringer/Anadolu Agency/Getty Images

O Covid-19 matou mais 168 pessoas em Itália nas últimas 24 horas, o que representa o maior número de vítimas mortais num só dia desde o início do surto de coronavírus no país. Até à data, a epidemia matou 631 pessoas naquela que é a situação mais grave na Europa e a segunda a nível mundial, depois da China. Com a subida galopante dos casos de infeção, que já ultrapassam os 10 mil, os médicos italianos veem-se confrontados com vários dilemas.

O site “Politico” noticiou que os médicos estão atualmente a dar prioridade aos pacientes mais novos e saudáveis por serem estes os que têm as maiores probabilidades de sobrevivência. “Não queremos discriminar. Estamos conscientes de que o corpo de um paciente extremamente frágil é incapaz de tolerar certos tratamentos comparado com o de uma pessoa saudável”, explicou Luigi Riccioni, diretor do Comité de Ética do SIIARTI, a Sociedade Italiana de Anestesia, Reanimação e Terapia Intensiva.

As medidas restritivas, que começaram por ser aplicadas na região norte, estão desde terça-feira em vigor na totalidade do território italiano, afetando 60 milhões de pessoas. Nos hospitais, além das decisões de natureza ética a tomar, os médicos têm feito turnos extra de colegas que entretanto adoeceram.

“Estavam na cama, em silêncio, mas os olhos falavam por eles”

Elena Pagliarini é enfermeira em Cremona, na região da Lombardia, no norte de Itália. Tem 40 anos e trabalha há uma década e meia no hospital da cidade. Uma fotografia em que surge a dormir, fardada e com máscara, sobre um teclado de computador tornou-se viral e foi publicada esta terça-feira na primeira página do jornal “La Repubblica”.

Em declarações ao diário, a enfermeira explicou que eram seis da manhã quando a fotografia foi tirada. Elena estava a trabalhar desde as nove da noite anterior nas urgências do hospital.

A enfermeira revelou que o que mais a impressionou foi “o medo nos olhos” dos pacientes. “Estavam na cama, em silêncio, mas os olhos falavam por eles”, descreveu. O turno de Elena só terminava às sete da manhã mas, uma hora antes, sucumbiu ao cansaço. “Em circunstâncias normais, teriam dito: ‘Aqui está uma enfermeira que adormece durante o turno’”, rematou.

“Estou muito, muito preocupado com o impacto que o vírus terá”

O médico Christian Salaroli comparou esta segunda-feira, em declarações ao jornal “Corriere della Sera”, a situação nos hospitais aos tempos de guerra. “Decidimos em função da idade e das condições de saúde, tal como em todas as situações de guerra. Não sou eu a decidir mas os manuais por que estudámos”, descreveu.

A pressão sobre as unidades de cuidados intensivos tem levado a uma escassez de camas, pessoal médico e ventiladores, o que, por sua vez, contribui para o aumento das mortes. Há pacientes a serem tratados em salas de operação e de recobro e em corredores de hospitais, e apenas uma pequena percentagem de pacientes fica em salas de isolamento, relata a imprensa italiana.

O diretor de doenças infecciosas do hospital Sacco em Milão, Massimo Galli, disse ao jornal “The Guardian” que “a pressão sobre os hospitais na Lombardia é enorme”. “Estou muito, muito preocupado com o impacto que o vírus terá no nosso sistema de saúde”, confessou.