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Joana Marques Vidal (1955-2024): “Quando Sócrates foi detido, a minha preocupação foi perguntar: analisaram bem, ponderaram bem?”

Esta foi a última entrevista que Joana Marques Vidal deu como procuradora-geral da República, em 2018. Nela, revisitam-se os casos de Justiça mais mediáticos, a operacionalidade do Ministério Público e a relação com os magistrados e procuradores, as polémicas e uma frase que ficou: “Surpreendeu-me a dimensão da corrupção em Portugal”. Joana Marques Vidal morreu esta terça-feira

TIAGO MIRANDA

Raramente deu entrevistas ao longo dos seis anos que esteve como procuradora-geral da República e é pouco entusiasta de posar para as fotografias, mas Joana Marques Vidal parece ter-se adaptado bem àquela casa. Como seria de esperar, de resto. Filha e irmã de magistrados e criada em Coimbra, entre gente de Direito, aprendeu a crescer no coração do sistema judicial. Foi com esse à vontade, descontraída e sorridente, que recebeu o Expresso e a SIC num dos salões aristocráticos do Palácio Palmela, entre as copas do seu frondoso jardim e o Largo do Rato, em Lisboa. Antes de nos sentarmos, explicou como o silêncio pode ser uma virtude em certos lugares mas também como chega um momento em que é hora de falar.

Ficou surpreendida com a dimensão do fenómeno da corrupção em Portugal?
Devo dizer que fiquei. Embora considere que não podemos cair na frase feita de que Portugal é um país de corruptos. Temos instituições que funcionam. Mas somos um país onde o problema da corrupção tem uma dimensão que é urgente atacar. Tem de ser encarada como uma questão essencial do Estado de direito democrático. Penso que politicamente a resposta não é eficaz, tem sido muito superficial. Não há uma estratégia nacional contra a corrupção. Não só na resposta judiciária, estou a falar da dimensão cultural e da rejeição que deveria haver de todos. A questão coloca-se nos pequenos negócios, no dia a dia e na capacidade de haver uma rejeição total. Se nós repararmos o que foram os programas políticos das últimas eleições, a corrupção aparece lá numa linha. E aparece sempre relacionada com o judiciário. Ora, a luta contra a corrupção é uma luta pela transparência. Transparência no exercício dos cargos públicos e contra o financiamento dos partidos políticos.

Há a Operação Marquês, o caso Lex, os Vistos Gold, etc. O que é que se passou para estes processos terem acontecido num espaço tão curto de tempo, durante o seu mandato, quando não aconteciam tanto em mandatos anteriores, nomeadamente no do seu antecessor, Pinto Monteiro?
Ao longo destes seis anos apostou-se em conseguir financiamento, através dos programas europeus, para fazer um plano de formação de magistrados nesta área, durante dois anos. Reforçou-se também a concessão de perícias especificas e o uso de ferramentas informáticas, com a digitalização de processos. Apostou-se no fundo num conjunto de estruturas, organização e conhecimento que nos permitiu trabalhar melhor

Qual é o papel do procurador-geral da República? É deixar que se faça?
O papel do procurador-geral é promover a organização, a articulação interna e a capacidade de gestão que permita aos magistrados trabalharem melhor.