Num velho armazém estão guardadas as luzes de uma cidade que desapareceu. São os letreiros e reclames luminosos de quase 250 estabelecimentos comerciais de Lisboa, muitos deles históricos, que fecharam portas na vertigem de uma capital em acelerada transformação. Mais do que simples despojos decorativos de antigos cabeleireiros, sapatarias, óticas, restaurantes ou pastelarias, são fragmentos da memória coletiva de todos os que os frequentaram ou que se habituaram a olhar o brilho dos seus néons. As velhas luzes publicitárias são hoje tudo o que resta de espaços icónicos como a Pastelaria Suíça, a livraria do “Diário de Notícias”, a casa de tecidos Frazão ou a Lisbonense Som, agora devolutos ou substituídos por condomínios de luxo, cadeias de franchising, hotéis ou lojas de souvenirs. Mas este património está em risco de se apagar em definitivo. O espaço que o acolhe será demolido e não há destino previsto para o conservar.
Foi há 10 anos que o casal de designers gráficos Rita Múrias e Paulo Barata deu início a um projeto de investigação sobre as letras de Lisboa. Na altura, a ideia era apenas fazer um levantamento fotográfico de sinaléticas e letreiros comerciais antigos nas suas diferentes formas e suportes — dos vidros pintados às letras metálicas e incluindo os néons que, entre os anos 40 e os anos 80 do século XX, passaram a tomar conta dos reclames, dando à capital, sobretudo na Baixa, uma luz colorida de “modernidade”. O problema é que, ao fotografarem os letreiros, aperceberam-se de que, um a um, os estabelecimentos que os exibiam estavam a fechar portas a um ritmo vertiginoso. A crise económica que assolou o país entre 2008 e 2013 foi fatal para uma grande parte do comércio tradicional, precipitando uma revolução urbana que mudou a cidade para sempre.