O Bloco de Esquerda questionou esta sexta-feira o Ministério da Saúde sobre as denúncias feitas ao Expresso por especialistas do Serviço Regional de Psiquiatria Forense do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (antigo Júlio de Matos). Segundo Sofia Brissos e Miguel Vieira, os doentes a cumprir pena de prisão ou medida de segurança de internamento recém-chegados ao serviço são obrigados a permanecer durante "vários dias" num "quarto de isolamento", sem poderem circular livremente e permanecer a céu aberto, e "impedidos de contactar com a família, seja de forma presencial, através de visitas, seja por telefone".
Nas perguntas entregues no parlamento, o BE questiona o Governo sobre as ações que, "perante a extrema gravidade do relatado por profissionais de saúde", vão ser tomadas para acabar, "de imediato, com as situações de tratamento indigno e desumano a pessoas inimputáveis" no hospital. "Foi para isto que se criou uma nova Lei da Saúde Mental?", questiona também o partido, chamando a atenção para a necessidade de haver uma "Lei de Meios para a Saúde Mental".
Em setembro de 2022, o BE entregou na Assembleia da República um projeto para a criação desta lei, de forma a “programar o investimento plurianual na área da saúde mental, garantindo os meios para a concretização do Plano Nacional de Saúde Mental e de projetos com vista à prevenção da doença mental, tratamento e reabilitação da pessoa com doença mental”.
A duplicação do número de psicólogos nos centros de saúde e a regulamentação da profissão de psicomotricista foram algumas das medidas apresentadas na altura. O projeto acabaria por ser chumbado, com os votos contra do PS e da Iniciativa Liberal.
Especialistas denunciam “prática ilegal”
Segundo dois especialistas do serviço - Sofia Brissos, psiquiatra do centro hospitalar, vinculada ao serviço de psiquiatria forense, onde realiza perícias médico-legais, e Miguel Vieira, enfermeiro no hospital há quase 30 anos e que trabalhou na unidade forense de 2019 a 2022 - os doentes recém-chegados à unidade permanecem durante “vários dias” num “quarto isolado e com a porta fechada à chave”.
“Estão vestidos com um pijama o tempo todo e impedidos de abandonar o quarto a não ser para ir à casa de banho com supervisão de um técnico e sem se cruzarem com outros utentes.” Se surgir essa necessidade durante a noite, tem de ser suprida no interior do quarto, num vaso sanitário ou “pote”, instalado para o efeito.
As refeições são feitas dentro do quarto e está “proibido” o contacto com a família, seja presencial, através de visitas, seja por telefone. São pelo menos “15 dias” nestas circunstâncias, com algumas concessões pelo meio, segundo os especialistas. Tanto Sofia Brissos como Miguel Vieira descreveram a alegada prática como “ilegal”. O Expresso questionou o centro hospitalar a respeito destas denúncias, mas não foi possível obter uma resposta até ao fecho da edição desta semana.
Hospital invoca razões de “segurança”
Contactado esta sexta-feira pela Lusa, o hospital esclareceu que não se trata de um “quarto de isolamento”, mas sim de observação que está localizado em frente à sala de trabalho de enfermagem para permitir o acompanhamento.
Após a entrada no serviço, os internados, que podem ser inimputáveis ou imputáveis a cumprir pena em estabelecimento para inimputáveis, são colocados numa zona destinada à observação, num período que “pode durar até duas semanas”.
Esta situação deve-se à necessidade de observação, “tendo em conta a transição na natureza das instalações, passando a instalações sem seguranças ou guardas prisionais onde, dependendo mais das características da personalidade que da doença, é frequente haver uma alteração do comportamento e maior agressividade e tentativas de manipulação aquando do ingresso”, disse o hospital, numa resposta por escrito também enviada ao Expresso na manhã desta sexta-feira.
"Acresce que muitos dos internados provêm do Hospital Prisional São João de Deus onde já existiam dinâmicas relacionais entre eles, sendo comuns ameaças e tensões prévias, que muitas vezes tentam colocar em prática durante os primeiros dias no internamento, devido à ausência de elementos de segurança", sustenta, acrescentando que esta prática é feita com a "concordância dos internados”.