O ativista antirracismo Mamadou Ba foi hoje condenado ao pagamento de 2.400 euros por difamação do militante de extrema-direita Mário Machado, no caso ligado à morte do cabo-verdiano Alcindo Monteiro em 1995, em Lisboa. A juíza Joana Ferrer sublinhou que Mário Machado prescindiu de pedir qualquer indemnização.
Em causa está uma frase escrita por Mamadou Ba na rede social X (antigo Twitter), na qual o ativista antirracismo considerou Mário Machado uma das figuras principais do homicídio de Alcindo Monteiro no Bairro Alto, em 1995.
Na leitura da sentença, a juíza vincou que "Mário Machado não assassinou Alcindo Monteiro" e que o arguido Mamadou Ba imputou tal facto, "repetido até à exaustão", ofendendo a honra do assistente no processo (Mário Machado), que tem mulher e filhos.
O tribunal considerou que houve vontade notória de Mamadou Ba de "denegrir" Mário Machado, salientando que o passado criminal deste último não impede o seu direito à honra, tanto mais que o processo penal português assenta na ressocialização e não permite a estigmatização de quem já cumpriu pena.
Mário Machado teve de ser escoltado
À saída do tribunal após o julgamento, a advogada Isabel Duarte leu aos jornalistas uma declaração de Mamadou Ba intitulada "O Estado capitula e a justiça branqueia um nazi", na qual se refere que "dizer que Mário Machado é uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro é simplesmente a forma mais benigna de descrever como ele se destacou na noite da `caça ao preto´ pela violência com que agrediu as suas vítimas com um taco de basebol, na cabeça, até as deixar inanimadas".
Na declaração, Mamadou Ba critica ainda o Ministério Público por ter "optado por estar ao lado de um triplo empreendimento de caráter político que consiste em branquear um criminoso neonazi, normalizar a extrema-direita e a violência racial e silenciar o antirracismo". Também o juiz de instrução Carlos Alexandre, que enviou o processo para julgamento, não foi poupado nas críticas feitas por Mamadou Ba.
Mamadou Ba, que assistiu à leitura da sentença por videoconferência a partir do Canadá, considerou ainda, na declaração, que "Mário Machado conseguiu transformar a instituição judicial num instrumento de combate político da extrema-direita contra o movimento antirracista". A sua advogada, Isabel Duarte, manifestou intenção de recorrer da decisão.
Por seu lado, Mário Machado afirmou aos jornalistas que a decisão condenatória "foi uma vitória da justiça portuguesa" e "também uma vitória contra a esquerda portuguesa" depois de figuras políticas conhecidas como Francisco Louçã, Rui Tavares e Francisca Van Dunem terem ido depor a favor de Mamadou Ba, "não tendo o tribunal deixado ser pressionado".
Mário Machado disse dedicar ainda "esta vitória" na justiça ao seu falecido pai que "durante anos ouviu dizer que o filho era um assassino".
Quanto a Mamadou Ba e ao facto de este não exprimir arrependimento, contrapôs não estar surpreendido com a atitude porque se trata de um supremacista negro, que tem uma postura "rancorosa e odiosa" e que já apelidou a polícia de "bosta da bófia".
Mário Machado frisou que apenas quis a sua honra reposta, não tendo efetuado qualquer pedido de indemnização cível, nem exigido dinheiro ao arguido.
Ao retirar-se do Campus de Justiça, o militante de extrema-direita foi provocado por dezenas de apoiantes de Mamadou Ba com injúrias e gritos de protesto, tendo sido necessário a polícia escoltar o visado para fora do recinto.
José Manuel Castro, advogado de Mário Machado, declarou que a sentença de 240 dias de prisão remível a multa de 2.400 euros aplicada a Mamadou Ba é "uma decisão histórica" e "uma espécie de grito do Ipiranga" da justiça que "não se deixou influenciar" pelos políticos que vieram testemunhar neste julgamento apenas para dar a sua opinião, sem nada saberem sobre os factos em análise.
Mariana Mortágua e SOS Racismo solidários com Mamadou
A coordenadora do BE, Mariana Mortágua, disse esperar que, em segunda instância, seja anulada a condenação judicial do ativista antirracismo Mamadou Ba ao pagamento de 2.400 euros por difamação do militante de extrema-direita Mário Machado.
Também o movimento SOS Racismo manifestou solidariedade com Mamadou Ba. "Perante a decisão do tribunal em acompanhar a vontade de um confesso neonazi, o movimento SOS Racismo reitera a sua solidariedade com Mamadou Ba e denuncia a perseguição política de que tem sido alvo e, através dele, o próprio antirracismo", diz o movimento em comunicado.
Segundo o movimento, tem sido "patente na sociedade uma vontade de adotar posturas contra o antirracismo que pretendem silenciar as vozes que lutam pela democracia".
"Infelizmente essa postura tem adquirido contornos estruturais, que se torna particularmente grave quando é reproduzida pelas instituições ligadas à justiça", critica.
A mesma organização diz ainda ser pela "defesa de uma justiça impermeável a este tipo de cumplicidade e que se comprometa antes em combater o racismo estrutural que afeta as instituições que regem a vida das pessoas e com quem elas têm de lidar diariamente para fazer valer os seus direitos".
Para o SOS Racismo, "é importante não esquecer que Mário Machado foi dos poucos envolvidos na violência do dia 10 de junho de 1995 que nunca demonstrou qualquer arrependimento e que continua militantemente envolvido em movimentos de ideologia de extrema-direita".
Perante o desfecho da leitura da sentença hoje proferida, o movimento entende que tal decisão vem "contrariar todas as instâncias onde foram julgadas todas as pessoas envolvidas na `caça ao preto´ do dia 10 de junho de 1995".
Assim, dizem exprimir o seu "apoio incondicional a qualquer decisão que o Mamadou Ba venha a tomar" e declaram-se "mobilizados para, em conjunto com todos e todas as que lutam pela democracia, construir uma sociedade justa e igualitária".
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