"O mundo está feio, belicoso, desconfiado" e precisa, mais do que nunca, que os valores da democracia sejam preservados, destacou Francisco Pinto Balsemão, fundador do grupo Impresa, esta quarta-feira na Universidade Lusófona, em Lisboa, na ocasião em que lhe foi atribuído o título de Doutor Honoris Causa.
“A democracia, que até agora foi, é, o sistema de governo mais justo e livre que o homem inventou, não está em grande forma”, frisou Francisco Pinto Balsemão no seu discurso, pondo a tónica nos ”perigos de descarrilamento de uma democracia que é preciso proteger, porque continua a ser a melhor forma de governação até agora inventada pelo homem".
Lembrando que “só vigoram regimes qualificáveis como democráticos em menos de metade dos Estados existentes no planeta Terra”, Francisco Pinto Balsemão começou por chamar a atenção para a guerra que se vive na Europa.
“O que se passa na Ucrânia veio revelar que a Rússia, afinal, tem ambições e não aceita um confinamento que parecia ser durável”, enfatizou, realçando que “a NATO, o Ocidente, apoiam Zelensky, mas não querem envolver-se demasiado, parecendo preferirem recorrer a uma guerra por interposto país, cedendo material bélico e confiando no seu glorificado herói”.
E recordou que “nos Estados Unidos, onde poucos são os assuntos acerca dos quais existe unanimidade de pontos de vista, corre-se o risco de as próximas eleições presidenciais serem disputadas entre dois octogenários”.
Olhando o que se passa no mundo, o presidente do Conselho de Administração da Impresa evidenciou que “a China do Presidente Xi procura recuperar o tempo e o poder perdidos e mantém viva a ameaça de Taiwan, a América Latina transformou-se numa manta de retalhos", a par de “problemas graves” e conflitos que parecem eternizar-se" em diferentes geografias. “Tudo isto sem falar de uma União Europeia já sem o Reino Unido que se burocratiza, que insiste em manter a regra da unanimidade, que enfrenta a necessidade e a dificuldade do alargamento a vários Estados candidatos e que, por tudo isso, vai adiando o objetivo, para mim essencial, do federalismo.”
Os desvios à democracia são notórios “nos próprios regimes que qualificamos como democráticos”, defende Francisco Pinto Balsemão, e “a força e influência daquilo a que Ignacio Ramonet chamou poderes globalitários, é evidente e crescente”, realçando que ”neste preciso momento, estão a ser cometidos atropelos à liberdade", o que se estende “das bem organizadas máfias da droga ou do tráfico de pessoas às agências de rating, passando pelos grandes fundos de investimento, pelos Google ou pelos Meta (ex-Facebook)”.
Um país “lento e sonolento”
A atual situação do país também foi destacada por Francisco Pinto Balsemão, considerando que “Portugal está lento e sonolento”. “Parece que estás a dormir! - é uma reprimenda que se ouve nas empresas, quando um funcionário se atrasa ou é incompleto no cumprimento das suas tarefas", comparou.
“Não se pode dizer que Portugal esteja mal. Mas tão pouco se pode dizer que Portugal está bem”, constatou o fundador da Impresa, realçando: “tudo demora no nosso país, principalmente o que depende do Estado, seja dos ministérios, das câmaras, das Freguesias, seja dos Tribunais ou do Ministério Público, seja das inúmeras Comissões e/ou Grupos de Trabalho que vão sendo criados e tantas vezes se eclipsam ou desaparecem sem terem chegado a conclusões concretas e exequíveis”.
“Não se compreende que a coexistência de um Governo maioritário e de um Presidente da República interveniente não consigam dar largos passos na boa direção”, sustentou ainda, frisando também ser “inaceitável que os tribunais continuem a demorar anos para julgar processos e recursos – e não são apenas os casos de José Sócrates ou Ricardo Salgado, são centenas e centenas de recursos”.
“Talvez um robô bem treinado seja mais eficaz”, concluiu Francisco Pinto Balsemão, destacando também um tema que lhe é caro: o da inteligência artificial. “É um futuro mais próximo do que se pensa, parte importante do nosso trabalho, investigação e diversão.”
O administrador da Universidade Lusófona, Manuel Damásio, sublinhou, ao ser atribuído a Francisco Pinto Balsemão o título Doutor Honoris Causa, “a mais alta distinção que uma universidade pode conceder”, que a instituição está a “honrar-se a si própria” e também aos países lusófonos com quem a escola tem estreitas relações.
A escolha de Balsemão para o título acolheu “unanimidade” na Universidade Lusófona, tratando-se de uma personalidade “dedicada a uma sociedade mais livre, mais culta e mais democrática” e que é um pilar de “um jornalismo com ética, que não esquece os problemas da sociedade contemporânea”. Além de empresário da comunicação, foi destacada a sua carreira política, enquanto um dos fundadores do PSD – Partido Social Democrata, primeiro-ministro de Portugal entre janeiro de 1981 e junho de 1983, e membro do Conselho de Estado desde 2005.
À cerimónia na Universidade Lusófona de atribuição do título Honoris Causa a Francisco Pinto Balsemão compareceram diversas personalidades, incluindo membros do Conselho de Estado (Leonor Beleza, Miguel Cadilhe e Carlos César), o presidente da Câmara de Lisboa (Carlos Moedas), o chefe do Estado-Maior da Armada (almirante Henrique Gouveia e Melo) ou o Presidente da República de Cabo Verde (José Maria Neves). Era também esperada a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que não pôde comparecer.