É “complicado” e até “injusto” fazer-se juízos de valor das pessoas antes de elas iniciarem funções. Carlos Cortes sabe disso e toma atenção às palavras. “É sempre complicado”, admite o presidente da secção regional do Centro da Ordem dos Médicos, em especial quando está latente uma grande expectativa à volta do novo ministro da saúde.
Para o dirigente, o nome de Manuel Pizaro não foi novidade. Para além de conhecer os corredores do Ministério da Saúde, por já ter sido secretário de Estado, no mandato de Ana Gomes, também é médico. E não só. “É médico internista, está no coração da ação”, descreve Carlos Cortes. A junção do conhecimento técnico e do político poderão ser o maior trunfo do homem do aparelho do Partido Socialista para fazer face ao “momento sui generis” que se vive na saúde.
“Estou a ver hoje uma desilusão que nunca tinha visto nesta dimensão. O Ministério da Saúde andou demasiados anos de costas viradas para os profissionais”, observa.
“Os profissionais de saúde esperam alguém corajoso, capaz de agilizar uma reforma. Esperam alguém dialogante tanto com os profissionais como com os doentes, alguém que saiba fazer as pontes”
Carlos Cortes, presidente da seccção do Centro da Ordem dos Médicos
“Sem preconceito com os privados”
Manuel Pizarro tem, à partida, uma vantagem no diálogo: é médico e partilha o mesmo código dos pares na prestação de cuidados. Além disso, “conhece bem o sistema, nacional e internacionais, e tecnicamente sabe o quer”, afirma o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. Além da capacidade de diálogo, outra grande diferença face a Marta Temido é “a ausência de preconceito com os setores privado e social, é a favor das parcerias na Saúde” e “nesta e noutras matérias tem um pensamento conciliado com a Ordem”.
Mas o prognóstico para a governação de Manuel Pizarro tem vários riscos associados. “As pessoas querem reformas estruturais e se isso não começar a acontecer em breve será muito mau, pior até do que foi para Marta Temido, pois quando há um novo ministro há um aumento das expetativas”, afirma Miguel Guimarães.
Estará o primeiro-ministro preparado para alguma margem de manobra? “Acredito que sim, porque ao nomear alguém do aparelho comprometerá o próprio Partido Socialista se não o deixar fazer algumas reformas.” O bastonário vai esperar para ver: “Estou expectante que as políticas de Saúde se adaptem às necessidades reais das pessoas.”
Corrigir um erro
Para o maior grupo de profissionais do SNS, os enfermeiros, o novo ministro traz à memória uma má recordação. Em 2009, como secretário de Estado adjunto e da Saúde, retirou à classe parte do seu reconhecimento com uma promessa de valorização, que não cumpriu.
“Nesta nomeação, só há um dado importante e relevante: é uma grande oportunidade para corrigir o erro que cometeu ao acabar com a carreira dos enfermeiros. Tínhamos valorização dos graus académicos, das especialidades, escalões de progressão...e trocou-nos tudo por uma nova carreira que nunca entrou em vigor”, sublinha a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco.
Para a bastonária, no geral, este é um momento de espera. “Não temos expectativas. Vou no segundo mandato e já assisti à nomeação de três ministros da Saúde. Das outras vezes fomos muito otimistas, mas agora estamos mais cautelosos.”
“Homem do aparelho”
“É um homem do aparelho político”, critica João Proença, da Federação Nacional dos Médicos. Nesse aspeto, é uma vantagem, mas com efeitos negativos. “Conhece a reforma proposta. É uma escolha de continuidade e isso vai continuar a destruir o SNS”, diz.
Para o sindicalista, “se não mudarem as políticas, o SNS vai acabar” e Manuel Pizarro não deverá ser o motor dessa reforma. “Sendo do aparelho, vai seguir a política do Governo.” E nessa estratégia está a dedicação plena, que pode ser um presente envenenado.
“A dedicação plena só vai manter os médicos com a devida majoração, caso contrário, vão continuar a sair. Queremos também uma redefinição dos horários de trabalho, horas extraordinárias e trabalho na Urgência. Os serviços estão a fechar pelo que se paga aos médicos e enfermeiros”, avisa.