Sociedade

Caso Tancos: a montanha pariu um terrorista

Tribunal de Santarém absolveu mais de metade dos acusados mas condenou os autores do assalto ao paiol de Tancos pelo crime de terrorismo. Azeredo Lopes, que se demitiu da pasta da Defesa na sequência deste caso, acabou totalmente ilibado

De costas para aquela espécie de pódio onde se sentam os juízes e o procurador, impecável de fato escuro, Azeredo Lopes trocava animadas impressões com o advogado que o defendeu no processo de Tancos. O julgamento tinha acabado e Germano Marques da Silva, talvez o homem mais citado em todos os acórdãos e recursos dos tribunais portugueses, acabara de conseguir a absolvição do arguido mais mediático deste processo. Considerou que a forma como a investigação foi conduzida foi “uma vergonha” e que perdeu “três anos de vida”.

Quanto ao ex-ministro da Defesa, foi ilibado pelo juiz Nelson Serra e até teve direito a algum conforto : “Não ficou minimamente demonstrada a prática de qualquer crime.” Disse que sai “de cabeça levantada”.

O Ministério Público já tinha pedido a sua absolvição e portanto os problemas de Azeredo Lopes com a justiça acabam mesmo aqui. O caso custou-lhe o cargo de ministro da Defesa, mas para o tribunal não houve” dolo” na atuação do ex-governante, que soube da recuperação das armas pela GNR mas não informou o Ministério Público.

Um pouco atrás, de casaco desportivo, João Paulino, o autor confesso do assalto, não parecia demasiado surpreendido com o carimbo que o tribunal acabara de lhe aplicar : a partir deste dia é um terrorista condenado.

Um ato de terrorismo

O tribunal entendeu que o assalto a Tancos, de que foi o mentor, é um ato de terrorismo. Vai ter de cumprir oito anos de prisão (também foi condenado por tráfico de droga). A defesa deve recorrer desta pena e João Paulino saiu do tribunal como um homem livre. Já cumpriu dois anos e meio de prisão em preventiva e domiciliária mas agora está em liberdade porque as medidas de coação já se esgotaram.

Os outros dois homens que participaram no assalto – Hugo Santos e João Pais – também foram condenados, por terrorismo, a penas de prisão efetiva. O primeiro a sete anos e meio (também traficou droga) e o segundo a cinco anos. Foi João Paulino quem disse em tribunal quem foi com ele ao assalto no dia 27 de junho de 2017, ilibando assim os outros arguidos que eram acusados pelo Ministério Público de terem participado no assalto.

O tribunal condenou ainda outros oito arguidos. Sete pertenciam à GNR e à Polícia Judiciária Militar e foram condenados (com penas suspensas) pelo facto de terem montado uma operação encenada para a recuperação do material roubado à revelia da PJ civil e do Ministério Público. Luís Vieira, ex-diretor da PJ militar e que nunca aceitou que fosse a PJ civil a investigar, foi condenado a quatro anos de prisão e a três de suspensão de funções. Vasco Brazão, o alegado operacional, foi condenado a cinco anos de prisão e a dois e meio de afastamento. Bruno Ataíde, o militar da GNR que recebeu a indicação de João Paulino sobre onde estava o material roubado, foi condenado (com pena suspensa) mas não foi afastado de funções, porque o tribunal entendeu que não teve responsabilidade na encenação.

A condenação mais pequena

O civil Jaime Oliveira ganhou o prémio da condenação mais pequena : seis meses de multa, por consumo de droga.
Filipe Sousa, o homem que desencadeou toda a trama, também acabou absolvido. Foi este furriel, colocado em Tancos, quem disse ao tio, Valter “pisca”, um amigo de Paulino a quem devia dinheiro, que a segurança de Tancos era caricata e que um assalto seria fácil. Tinha razão.

Lima Santos, o sargento da GNR de Loulé que comparou João Paulino a “uma vaca” que enquanto “tivesse leite” era “preciso espremer”, foi condenado a cinco anos de prisão e a uma suspensão de dois anos e meio. Foi ele quem “trabalhou” João Paulino para que revelasse onde estavam as armas e negou ter prometido imunidade ao autor do assalto.