Sociedade

Menos portugueses a saírem de Portugal, menos remessas e um novo principal destino: como foi a emigração portuguesa em 2020?

Há um pouco menos de 2,6 milhões de pessoas nascidas em Portugal a viver no estrangeiro, o que representa cerca de 25% da população residente no país em 2019

Nuno Botelho

O número de emigrantes portugueses em 2020 foi o mais baixo dos últimos 20 anos, um valor para o qual contribuiu a covid-19 e o Brexit, de acordo com o Relatório da Emigração 2020, realizado pelo Observatório da Emigração (um centro de investigação do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa) e apresentado esta terça-feira. O documento dá ainda conta de 45 mil saídas no ano passado (uma diminuição quanto comparadas com as 80 mil de 2019).

A redução foi geral, englobando praticamente todos os destinos tradicionais da emigração portuguesa. De acordo com este relatório, que foi apresentado no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, para esta quebra contribuíram a crise pandémica de covid-19 e a saída do Reino Unido da União Europeia.

Em relação à pandemia, o impacto expressou-se através de "limites à mobilidade internacional com objetivos sanitários e a crise económica que resultou das políticas de confinamento para interromper as candeias de contágio".

Já o Brexit contribuiu através das barreiras às migrações para este país, na sequência do plano da saída do Reino Unido do espaço europeu de livre circulação. O Reino Unido tinha sido, em 2019, o principal destino da emigração portuguesa, tendo sido destronado dessa posição em 2020 pela Suíça.

Os números refletem estas mudanças, uma vez que, em 2020, emigraram para o Reino Unido menos 18 mil portugueses do que no ano anterior, o que representa "a maior quebra do século na emigração para este destino".

Suíça: o principal destino

O Reino Unido, país que perdeu a liderança enquanto país de escolha da emigração portuguesa, registou uma quebra de 73% em relação ao ano anterior. Apesar da quebra acentuada que se verificou no número de entradas no Reino Unido, a população de portugueses emigrados neste país manteve-se estável em relação ao ano anterior.

No ano passado, optaram por viver na Suíça 7.542 portugueses, sendo este o segundo país do mundo com mais emigrantes portugueses: 210.731 em 2020. Em segundo lugar surge a França, com 7.643 entradas em 2019, e em terceiro o Reino Unido, país que, no ano anterior, recebeu mais de 20.000 portugueses e que, em 2020, registou a entrada de 6.664. Segue-se Espanha, um dos poucos destinos importantes em que a entrada de portugueses vinha a aumentar continuadamente desde 2013.

Acima das 3.000 entradas por ano, surge a Alemanha (5.380 em 2020), o Luxemburgo (3.286 em 2020) e a Bélgica (3.215 em 2019). Ainda dentro do espaço europeu e com valores perto das 2.000 entradas por ano encontra-se a Holanda (1.933 em 2020). Fora da Europa, os principais países de destino da emigração portuguesa integram o espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): Angola (1.708 em 2019) e Moçambique (1.439 em 2016, último ano para o qual existem dados disponíveis).

Em 2020, os portugueses foram a segunda nacionalidade mais representada na imigração entrada no Luxemburgo, a terceira em Macau e a quarta na Suíça.

Em termos absolutos, contabilizando apenas os dados de 2020, as maiores variações positivas e negativas ocorreram na emigração para a Dinamarca (mais 116 entradas de portugueses) e para o Reino Unido (menos 17.929).

Tendência de aumento de remessas interrompida

As remessas financeiras provenientes da emigração portuguesa têm tido uma tendência de crescimento, interrompida em 2019 e que se manteve no ano passado. O valor total recebido foi de 3.612 milhões de euros, o que representa 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

A França, que liderava em termos do maior valor de remessas enviadas para Portugal, passou para segundo lugar, com a Suíça em primeiro, após uma subida de 4,9% no volume dessas remessas, que aumentaram de 988,70 milhões de euros em 2019 para 1.037 milhões em 2020.

Ainda assim, a França mantém-se como um dos países com mais transferências para Portugal: 1.036,6 milhões de euros em 2020. Destaque também para o Reino Unido (379,4 milhões de euros), Angola (245,5 milhões de euros) e os Estados Unidos (244 milhões de euros). A Alemanha (225,9 milhões de euros), a Espanha (111,8 milhões de euros), o Luxemburgo (78,4 milhões de euros), a Bélgica (58,9 milhões de euros) e os Países Baixos (44,5 milhões de euros) também constam desta lista de maiores valores enviados pelos trabalhadores portugueses.

Em termos globais, verificou-se um decréscimo em quase todos os países, com exceção para a Suíça, Reino Unido, Estados Unidos, Venezuela, Bélgica e Países Baixos.

No ano passado, 90,9% das remessas tiveram origem em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), 44,1% na União Europeia e 7% nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

No contexto internacional, Portugal ocupava, em 2020, o 34.º lugar em relação às remessas recebidas pelos seus emigrantes, depois de ocupar o 32.º lugar em 2016, o 31.º em 2017, o 33.º em 2018 e o 36.º em 2019. Índia, China e México são os países com mais remessas recebidas pelos seus emigrantes.

Retoma do crescimento económico ajuda a explicar declínio da emigração

O relatório indica que a emigração portuguesa continua o seu caminho de declínio, que começou em 2014 e que se explica pela "retoma do crescimento económico em Portugal, expresso na revitalização do mercado de trabalho, com crescimento do emprego e descida do desemprego".

Enquanto a taxa de emprego cresceu de 49,7% em 2013, para 54,1% em 2020, e a de desemprego desceu, no mesmo período, de 16,2% para 6,8%, "a emigração não se reduziu com a mesma velocidade da recuperação económica, pois o grande crescimento do número de saídas na fase anterior traduziu-se na revitalização e criação de redes entre origem e destino que tornam hoje mais fácil e provável a escolha da emigração como trajetória de mobilidade, mesmo com incentivos económicos mais reduzidos".

O relatório inclui dados das Nações Unidas que indicam que, em 2019, haveria no mundo um pouco menos de 2,6 milhões de pessoas nascidas em Portugal a viver no estrangeiro, o que representa cerca de 25% da população residente no país naquele mesmo ano. Estes dados apontam para um crescimento da proporção de emigrantes portugueses a viver na Europa e assinalam também uma manutenção da emigração portuguesa no continente americano e um maior crescimento da fixada em África.

600 luso-eleitos

Em 1960, de acordo com os cálculos do Banco Mundial, viviam na Europa 16% dos portugueses emigrados. As estimativas das Nações Unidas indicam uma percentagem de 58%, em 1990, que se manteve nos 57%, em 2019.

Segundo as Nações Unidas, cujos dados são citados neste relatório, Portugal era, em 2019, o 26.º país do mundo com mais emigrantes.

Na Europa, apenas sete países tinham populações emigradas mais numerosas: Federação Russa, Ucrânia, Polónia, Reino Unido, Alemanha, Roménia e Itália. Em termos do número de emigrantes pela população do país de origem, Portugal apresentava uma taxa de emigração de 26%. Neste indicador, Portugal era o oitavo país do mundo com mais emigrantes. Portugal era, em 2019, o primeiro país da União Europeia com mais emigrantes em percentagem da população: 25,7%.

O relatório indica ainda que, em 2020, existiam 600 portugueses e lusodescendentes eleitos ou nomeados para cargos públicos no estrangeiro. Este valor reflete uma descida de 15% em relação ao ano anterior, uma variação que resulta, em grande medida, da redução do número de luso-eleitos identificados em França, sendo parcialmente compensada pelo aumento registado nos Estados Unidos.

A Europa é o continente onde se encontra a grande maioria dos luso-eleitos (71%), seguindo-se a América (26%), África (2%) e Ásia/Oceânia (1%). A lista é liderada pela França (62%), seguindo-se os Estados Unidos (25%) e a Alemanha (6%).