Sociedade

Supremo nega extradição de suspeito de terrorismo e tráfico de droga

Juízes conselheiros dão nega ao recurso apresentado pelo Ministério Público, que pretendia extraditar Iqbal Singh para a Índia. O suspeito foi libertado há dois meses, depois de um acórdão da Relação de Lisboa

O Supremo Tribunal de Justiça negou as pretensões do Ministério Público, que pretendia extraditar Iqbal Singh, suspeito de terrorismo e tráfico de droga que foi detido pelo SEF em julho, em Santo António dos Cavaleiros (Loures).

Há quase dois meses, o Tribunal da Relação de Lisboa já havia negado a extradição deste cidadão indiano para aquele país, libertando-o da prisão, por não considerar suficientes as garantias dadas pelas autoridades indianas de que não iria cumprir prisão perpétua, pena naquele país para este tipo de crimes; e que, no máximo, Iqbal Singh iria passar 25 anos na prisão [o máximo que poderia cumprir em Portugal] e de que não seria reextraditado para o Paquistão.

O Ministério Público recorreu da decisão para o Supremo, mas os três conselheiros, Eduardo Almeida Loureiro, António Gama e António Clemente Lima, não deram provimento ao recurso.

A embaixada de Índia remeteu um ofício aos tribunais portugueses da Autoridade Central em Matéria de Extradição, do Ministério das Relações Exteriores da Índia, que garantia que "se o fugitivo lqbal Singh for extraditado e ao ser condenado, ele não receberá uma pena de prisão superior a 25 anos", "não será re-extraditado para um terceiro país, incluindo o Paquistão" e que iria cumprir o "princípio de reciprocidade" com Portugal.

Mas o Supremo considerou que este documento não vincula de forma cabal o Governo da República da Índia, uma vez que não foi emitido por nenhum dos seus representantes, "mas antes pela Autoridade Central em Matéria de Extradição, a qual, podendo integrar a administração pública (do Ministério das Relações Exteriores), nada indica que tenha poderes para obrigar o Governo".

Droga e terrorismo

Depois de ter sido detido pelo SEF, Iqbal Singh ficou preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Sobre o indiano de 26 anos recaía um mandado de detenção internacional, emitido em outubro do ano passado por um tribunal especial na Índia e difundido pela Interpol. Era acusado pelas autoridades de Nova Deli dos crimes de associação criminosa, financiamento de organização terrorista, tráfico de estupefacientes, conspiração para cometer crimes e anga­riar fundos para atos terroristas e por ser membro de um grupo terrorista.

Iqbal Singh é suspeito de envolvimento no contrabando de heroína proveniente do Paquistão, tendo formado um grupo que se dedicava à distribuição e venda de heroína na Índia, enviando o dinheiro do tráfico à organização terrorista Hizbul Mujahideen (HM), de cariz islâmico e que tem reivindicado ataques na Índia com o objetivo de colocar Caxemira nas mãos do Paquistão.

A rota da droga passava pelo Punjab, Caxemira e Paquistão, envolvia os canais hawala [forma de transação monetária informal e não bancária que mais facilmente escapa ao controlo das autoridades] e os traficantes usavam como disfarce a importação de grânulos de sal-gema, onde dissimulavam a droga.

A investigação descobriu que, entre 2018 e 2020, Iqbal Singh desenvolveu uma ligação estreita com os líderes do HM sediados no Paquistão, nomeadamente com Farooq Lone, que traficava heroína na fronteira indo-paquistanesa, e com o vice-dirigente financeiro da organização, Zafar Hussain Bhat, que coordenava a rota do tráfico até ao comandante do HM, ­Riyaz Naikoo, morto em confronto com as forças de segurança em junho de 2020. “Os fundos obtidos com a venda da heroína estavam a ser usados pelo HM para financiar ataques terroristas em Jammu e Caxemira”, pode ler-se num documento da investigação, que apelida aquela organização terrorista “máfia da heroína”.

O suspeito associou-se a Bikram Singh, conhecido como ‘Pablo Escobar do Punjab’, e escondia a heroína em vários campos agrícolas em Havelian. “Ganhou muito dinheiro com o contrabando de narcóticos e adquiriu enormes propriedades no Punjab”, garantem as forças de segurança indianas.

De acordo com a acusação, o HM estava “desesperado” por arranjar apoio financeiro e logístico a operacionais em Jammu e Caxemira. As remessas de dinheiro foram sendo canalizadas para a organização terrorista “através de uma rede secreta e complexa” de operacionais sob o comando de Iqbal. As autoridades suspeitam que milhões de rupias fruto da venda de heroína tenham sido entregues a diversos camio­nistas, que atravessavam a fronteira e faziam chegar o dinheiro ao HM.

Em apenas dois anos, Iqbal e o seu grupo terão transportado cinco grandes remessas de heroína do Paquistão para a Índia. Mas a sexta carga foi apreendida pela alfândega na fronteira de Attari, no Punjab, em junho de 2019: tratava-se de meia tonelada de heroína. Depois dessa operação poli­cial, o indiano passou à clandestinidade e manteve-se em parte incerta.

Acabou por vir a ser desmascarado com testemunhos de ex-cúmplices detidos na Índia — que nos documentos judiciais têm a identidade protegida “por correrem perigo de vida” — e por um rasto de mensagens trocadas através do WhatsApp com diferentes protagonistas dos negócios de tráfico e de terrorismo.

Há algumas semanas, Iqbal Singh viajou para Portugal, para estar mais longe dos radares das autoridades indianas. Uma fonte próxima da investigação diz que o alegado traficante e terrorista foi detetado porque tinha iniciado um processo de autorização de residência em Portugal, depois de se ter casado com uma cipriota, apresentando um passaporte que, ainda que tivesse o nome dele, não era verdadeiro.