Franz Biberkopf não tem nada contra os judeus mas é a favor da ordem, de braçadeira suástica no braço, ele e outros marginais vagueando, provocando e sofrendo desacatos em Berlim, pós primeira-guerra; os jovens Robert Capa, David Seymour, Diana Forbes-Robertson, Martha Gelhorn, Ernest Hemingway, Herbert Frahm, simpatizantes das Brigadas Internacionais e a desafiarem os bombardeamentos da aviação alemã que apoiavam Franco na guerra civil espanhola; jovens fascistas espanhóis a alistarem-se voluntariamente nas brigadas azuis para se juntarem às tropas nazis na frente russa; Sartre em silêncio sobre os campos de concentração soviéticos e atacando Camus por denunciá-los. Eis a literatura e um documentário da Netflix a lembrarem-nos a moralidade verdadeira do século XX: o espírito de revolução-insatisfação-conversão permanente, levando a uma crise na política e na moral contemporâneas, que acompanha o ocidente desde 1945, e de que nos falam Peter Sloterdijk e Byung-Chul Han: um espírito do tempo assente nos cultos da finitude, do auto-esgotamento pessoal, do consumismo, da mudança de lugar através do turismo.
Quando hoje assistimos a manifestações de jovens nas cimeiras do clima, a obrigações de confinamento na idade de descoberta do outro, quando sabemos das suas rixas violentas por desacatos nas redes sociais, é importante indagar sobre a ética dos jovens portugueses e europeus, desta geração Z, assim convencionalmente designada, e sucessora da geração milénio. É igualmente importante perceber como se transformou neles a moralidade do século XX assente em ideologias.
Um inquérito aos adolescentes franceses, publicado pela Revista Philosophie este ano, lembra-nos a adolescência como o grande momento ético da existência, o momento em que o jovem coloca a questão da dívida da sua existência e pergunta a quem deve a mesma. O inquérito evidencia jovens com inquietudes mais pragmáticas e menos idealistas do que as dos seus pais, valores mais incertos, resultantes da perda de referências religiosas, ancestrais e de tradição.
As contradições manifestadas e inerentes à idade revelam preocupações mais individualistas e menos universais, um tempo de grandes incógnitas, o sentido de revolta é trocado por um sentido de compromisso. Destaca-se uma vulnerabilidade exacerbada: o reconhecimento de uma vulnerabilidade do outro e de si mesmo contrasta com a gratuitidade ou desproporcionalidade nas reações violentas e com origem nas redes sociais; a tolerância manifesta-se num reconhecimento identitário (a religião do outro, a cruz e o véu islâmico), não assente em princípios ou valores, mas em prol da paz social. A sexualidade está na encruzilhada entre a preservação de autonomia e a tentação romântica. Os jovens têm uma consciência do seu poder enquanto adultos do futuro, mas, com ela, transportam um sentimento de impotência nas questões climáticas. A vulnerabilidade aparece conjugada com uma sábia moderação.
Neste contexto de pragmatismo, as preocupações sobre o futuro da terra sobressaem. Os jovens não pedem uma revolta mas preservação e reparação, compromisso. Jovens guiados por uma intuição moral e ajudados pelos media provocam a nossa emoção e a nossa culpabilidade. Eles têm a noção do papel ambíguo atribuído ao ser humano, tanto de criador como de aniquilador do mundo. Mundo bom e sagrado, segundo a Bíblia, mas não divino. Mais atentos do que nós, os jovens alertam para os nossos deveres em relação aos membros da nossa comunidade bioética, a comunidade que partilhamos.
A bioética, tal como entendida atualmente, não assenta em classificações estáticas de seres vivos rivais entre si, deu antes lugar a uma versão dinâmica da biodiversidade. Não está em causa um conflito ou rivalidade entre o homem e a natureza, entre uma ética humana e uma ética da natureza. A proteção da natureza implica sim escolhas entre uma pluralidade de formas de vida humana.
É atualmente reconhecido que a biodiversidade permite a adaptação do ser vivo, garante a sua continuidade pela evolução, a diversificação biológica e das sociedades estão ligadas, a continuação da espécie humana não pode ser assegurada independentemente do ambiente natural.
Chegámos aqui. O século XIX trouxe-nos o sentimento da paisagem como a separação entre o sujeito e a paisagem observada, mas da qual ele não faz parte. É o sentimento triste da unidade perdida da natureza. As preocupações dos jovens de hoje não significam um retorno ao Walden de Thoreau, um retorno à unidade incindível. Mas deve-se aos jovens um novo conceito de justiça estendido às gerações futuras, o dever da proteção da natureza em benefício dessas gerações. Pragmatismo em vez de idealismo. Inquietações. Sensibilidade nova, política, ética, ecológica, na procura de compromissos.