Deixou de ser padre mas não é por ter abandonado a função que deixou de ser crente. Quando era novo, Jorge da Silva Ribeiro seguiu os passos de um irmão mais velho e foi para o Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, na rua onde morava. Na altura, “ir para o seminário era uma maneira de ter ensino grátis e havia muita pobreza e famílias muito grandes”. Era aliás uma honra ter um padre ou uma freira na família — ideais que acabavam por marcar as crianças. O contexto social cativava e “era um alfobre fácil para colheita de vocações”. Mas Jorge da Silva Ribeiro admite que a sua consciência da escolha de uma vida monástica era muito frágil: “Não me parece que ser discípulo de Jesus seja uma escolha a ser feita por uma criança de 10 anos”.
Depois a criança cresceu e, após muita reflexão e angústia, Jorge da Silva Ribeiro acabou por abandonar o sacerdócio. Hoje é presidente da Fraternitas, uma associação de padres (casados ou não) dispensados do exercício do ministério. “Normalmente aqueles que saem não renegam a fé mas há esse estigma” - que era muito forte quando era criança. Jorge da Silva Ribeiro recorda um episódio que o marcou quando tinha 13 anos: um padre ainda novo decidiu abandonar a função e foi depois chamado "apóstata", aquele que renega a fé. “Lembro-me de ter ouvido aquilo e de ter pensado ‘que coisa horrível’.” Hoje não considera que exista esse “estigma tão pesado”, embora existam ainda “algumas marcas”.
Ano após ano, o número de padres em Portugal diminui. Desde o início de 2000 que morreram 1707 e 42 abandonaram a função. O número de novos padres ordenados nas últimas duas décadas (776) não é suficiente para compensar a quebra que se tem acentuado ao longo dos anos. No total, desde o início do século, a Igreja Católica perdeu 973 padres, o que dá uma média de cerca de 50 por ano. “Existe de facto um desequilíbrio entre o número de padres que morrem (cerca de 80 por ano) ou abandonam o ministério (dois por ano, em média) e dos que são ordenados (cerca de 40 por ano)”, reconhece António Augusto Azevedo, bispo de Vila Real e presidente da Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios da Conferência Episcopal Portuguesa.
Se “a renovação das gerações é um dado natural, os padres que abandonam o ministério dão mais que pensar”, diz Jorge Cunha, professor catedrático na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa do Porto. Cada caso é um caso e não se pode generalizar, mas há alguns motivos - quatro pelo menos - que ajudam a explicar o abandono do sacerdócio: desilusão, cansaço, desencanto ou perda do sentido da vida celibatária são alguns deles.