Exclusivo

Sociedade

Plano Estratégico da PAC para Portugal “perpetua o assalto à natureza”, dizem 14 organizações ambientalistas

Longe da "grande reforma" anunciada pela ministra da Agricultura, 14 organizações não governamentais nacionais encontram no novo acordo da Política Agrícola Comum "mais do mesmo" e temem que o plano estratégico para a por em prática seja apresentado como um "facto consumado" sem concertação com os diferentes atores e sem ir ao encontro das estratégias europeias que visam proteger a biodiversidade, o clima e a saúde pública

Exploração agrícola no Ribatejo
NUNO BOTELHO

O futuro da biodiversidade, dos recursos naturais, nomeadamente da água e da alimentação e saúde de todos, depende de uma Política Agrícola Comum (PAC) que os defenda. Porém, essa defesa não está salvaguardada no acordo para a reforma recentemente aprovado, nem no plano estratégico (PEPAC) que a porá em prática em Portugal entre 2023 e 2027, argumentam 14 organizações não governamentais do ambiente (ONGA) nacionais, que se juntaram para fazer ouvir a sua voz.

Uma carta com críticas e sugestões, para que o Governo reflita sobre o assunto, já foi enviada para os ministros da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, para os respetivos secretários de Estado que tutelam estas áreas e para os diversos grupos parlamentares e deputadas não inscritas. Só o Bloco de Esquerda, até hoje, pediu à ministra da Agricultura para ir ao parlamento esclarecer o que está em causa. Maria do Céu Antunes estará amanhã na Comissão de Agricultura e Mar, fruto de uma convocatória anterior.

Premiar quem faz melhor, em vez dos de sempre

As 14 ONGA defendem uma PAC “que premeie quem faz melhor, compensando os agricultores de acordo com o nível de melhorias no desempenho ambiental e climático; que produza alimentos sustentáveis, assegurando que 30% das ajudas diretas à produção contribuem para benefícios ambientais e de ação climática; que fomente a biodiversidade criando mais espaço para a natureza, e favorecendo todas as explorações agrícolas que promovam maiores valores de biodiversidade e elementos paisagísticos, principalmente na Rede Natura 2000; que cumpra as metas do Acordo de Paris e seja coerente com as políticas nacionais de adaptação e combate às alterações climáticas; e que não apoie novos projetos de regadio que ameaçam a conservação dos agroecossistemas e o bom estado dos nossos rios e ribeiras, bem como as pessoas e biodiversidade que deles dependem”, lê-se no documento enviado ao Expresso.

Contudo, não é isso que encontram na proposta de estrutura do PEPAC nacional, até agora divulgada pelo Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura e cujo documento final deverá entrar em consulta pública em julho.

Os ambientalistas temem vir a ser confrontados com “factos consumados”, já que, frisa Catarina Grilo, da Associação Natureza Portugal (ANP/WWF), “ao contrário do que se passa noutros países, nomeadamente em Espanha, em Portugal não está a haver uma co-construção do PEPAC com os vários ‘stake holders’”, incluindo ONGA e pequenos agricultores. E lembra que, “sem este esforço de envolver os vários interessados, não se cria a oportunidade de construir um plano estratégico sério”.

Desde a primeira consulta pública no final de 2020, nunca mais tiveram acesso a informação concreta, o que leva os ambientalistas a pedirem “maior transparência no desenvolvimento deste instrumento de política, exigindo um PEPAC mais amigo do ambiente” e que potencie benefícios para a natureza.

“Num processo de elaboração de um plano estratégico como este é necessária transparência e franco diálogo com os vários parceiros e não a apresentação de factos consumados ou de um ‘copy paste’ da PAC anterior”, reforça Eduardo Santos, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN). Ou seja, “a grande reforma” anunciada pela ministra da Agricultura Maria do Céu Antunes não é visualizada como "grande", por ninguém.

Os ambientalistas lembram que o cumprimento dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, da Estratégia de Biodiversidade 2030, ou da Estratégia do Prado ao Prato, assim como as metas da União Europeia de mitigação e adaptação às alterações climáticas, estão longe de ser alcançados. “Tudo isto fica pelo caminho num compromisso europeu e nacional ao qual falta ambição”, afirma Eduardo Santos.

Sem rutura não há mudança

Este antever de “mais do mesmo”, nas palavras de Joaquim Teodósio, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), “está bem espelhado quando a ministra da Agricultura diz que ‘não quer causar uma disrupção’”. Ora, explica Joaquim Teodósio, “sem rutura com a política seguida até aqui não será possível responder às novas realidades relacionadas com a perda de biodiversidade, a poluição de cursos de água, a destruição de habitats essenciais e com a crise climática, nem acabar com as injustiças e iniquidades, que permitem que 7% dos agricultores recebam 70% dos apoios”.

Catarina Grilo lembra que a exaltação dos “eco-regimes”, na forma até agora apresentada, revela “eficácia duvidosa”, já que “nem tudo tem selo verde”, havendo neste bloco apoios para medidas de bem estar animal ou de resistência microbiana e “pouca atenção aos impactos negativos na natureza, na biodiversidade e na saúde humana”. A dirigente da ANP/WWF lamenta que não se aposte mais em “reduzir fertilizantes na agricultura para permitir reduzir emissões de gases de efeito de estufa” e que se sublinhe tanto o investimento em tecnologia para eficiência energética e hídrica na agricultura intensiva. Reforçando a ideia, Eduardo Santos, da LPN, sublinha que “o aumento de apoios a nova tecnologia para a agricultura serve sobretudo a agroindústria e o regadio e pouco a adaptação e a resiliência da nossa agricultura”.

Tudo isto, sublinham, com consequências para a biodiversidade, para as alterações climáticas e para a saúde humana. Agora só esperam que “o Estado ouça e envolva verdadeiramente a sociedade civil em processos determinantes como este”.

A posição conjunta das 14 ONGA conta como subscritoras: A Rocha – Associação Cristã de Estudos e Defesa do Ambiente; ALDEIA – Acção, Liberdade, Desenvolvimento, Educação, Investigação, Ambiente; Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve; ANP|WWF – Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF; ATNatureza – Associação Transumância e Natureza; FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade; GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente; LPN – Liga para a Protecção da Natureza; Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural; QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza; SPBotânica – Sociedade Portuguesa de Botânica; SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves; SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia; e ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável