Ainda não são sete da manhã e o homem alto de gorro de malha atravessa até à paragem de autocarro com o telemóvel erguido à altura do rosto. É demasiado cedo para telefonar a alguém mas para onde liga já o dia vai quase a meio. Do outro lado do ecrã, uma mulher de pele morena, longos cabelos negros e roupas roxas responde-lhe. O que lhe diz não se ouve: está com fones para conseguir um pouco da privacidade que pouco tem.
Baldev Singh tem 47 anos, e na Índia, onde ficaram a mulher e os três filhos, já são quase horas de almoço. A sua vida é uma montanha-russa: saiu de Punjab em direção à Malásia, onde trabalhou durante 12 anos; depois, chegou à Europa e esteve no Reino Unido por quase oito anos. No final do ano passado veio para Portugal, de onde saiu no inverno e regressou há menos de um mês, agora direto para Almeirim, na região do Ribatejo, para trabalhar numa exploração agrícola. “Isto aqui aconteceu em novembro”, aponta. Falta-lhe parte de um dedo da mão esquerda. “Da outra vez que cá estive, tive um acidente no trabalho e ninguém me ajudou.” É muito preciso ao relatar o “um mês e nove dias” que passou ao serviço de uma fábrica de carvão em Tomar, que lhe prometeu “salário e alojamento, mas nada”. “Ainda tive que pagar a renda e a conta de €20 da eletricidade.” Ao Expresso, a Carbrica, a empresa ao serviço da qual Baldev perdeu o dedo, não negou o caso, referindo que o homem“foi acompanhado pela empresa de trabalho temporário”, recorrendo “excecionalmente” a estes funcionários extra.