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Otelo e um imbróglio: as chaves da amnistia

Ninguém sabe onde nasceu a ideia, mas a amnistia das FP-25 fez o seu caminho. Arrumar Otelo na história era o principal objetivo

Quem estudar o caso das FP-25 numa perspetiva jurídica não consegue perceber exatamente o que aconteceu, muito menos porquê. “A questão do imbróglio jurídico era uma narrativa. O caso era complexo mas tinha solução dentro do sistema jurídico, todos os intervenientes dizem isso.” A conclusão de Nuno Gonçalo Poças, que estudou o caso judicial de ponta a ponta, é correta. Mas é preciso juntar os ingredientes da política das décadas de 80 e 90 para se explicar o que se passou.

“Se o Otelo não estivesse envolvido no Projeto Global e nas FP-25, muito dificilmente o poder político teria feito o que fez.” Sobre esta outra conclusão do autor não existem dúvidas. O incómodo com a situação de Otelo existia desde que a Justiça o ligou ao caso e a PJ o prendeu. O operacional da revolução que pôs fim à ditadura estava ligado a uma das maiores ameaças à destruição da democracia.

Apesar de Mário Soares ter sido o fautor da amnistia — num longo processo político que terminou com uma célebre mensagem ao Parlamento —, várias fontes contactadas pelo Expresso garantem que as primeiras discussões sobre a amnistia ocorreram ainda na presidência de Ramalho Eanes. Além do tema político, havia a questão de Otelo ser militar e de os dois terem sido próximos, tendo, aliás, trabalhado juntos na Guiné durante a guerra.

A confusão jurídica — nascida de uma decisão do Tribunal Constitucional — deu o argumento final para que a amnistia não fosse estritamente política e, muito relevante, condicionou fortemente os julgamentos dos crimes de sangue. O último, em 2001, foi o espelho dessa encruzilhada. A juíza declarou que tinha à sua frente os culpados dos crimes, mas que não o conseguia provar. A amnistia do terrorismo tornava ilógico e inútil o julgamento.