Mais de três quartos dos refugiados sírios estão a dar indícios de sofrer de graves sintomas de stress pós-traumático, uma década após o início da guerra civil no país, segundo noticia esta segunda-feira o "Guardian".
Uma instituição de caridade no Reino Unido, a Syria Relief, está a apelar a mais investimentos em serviços de saúde mental para refugiados em vários países, após ter identificado uma elevadíssima taxa de sintomas de transtorno de stress pós-traumático em particular junto dos sírios.
Um estudo realizado com 721 sírios que vivem no Líbano, na Turquia e em Idlib, no noroeste da Síria, revelou que 84% tinham pelo menos sete dos 15 principais sintomas de stress pós-traumático (SPT).
“Eu não saio de casa de forma alguma, apenas fico na barraca. Às vezes, tenho episódios de stress em que tenho vontade de partir tudo e bater no meu marido ”, disse uma mulher no Líbano, que não quis ser identificada, citada pelo jornal britânico.
A mulher síria contou como batalhou para se recuperar de anos de tragédia acumulada durante a guerra, incluindo a batalha por Aleppo em 2015, a perda de um filho recém-nascido devido a uma doença e sobrevivendo a uma tentativa de violação por um homem que fingia oferecer-lhe trabalho. Acabou por ser encaminhada para um médico, que lhe prescreveu medicação - mas frisa que tem sido difícil de encontrar devido à escassez de drogas no Líbano. Segundo o Syria Relief, apenas 15% dos refugiados no Líbano dizem ter apoio disponível para a saúde mental.
Outro caso citado pelo jornal britânico é o de Ahmad al-Mousa, com 24 anos, que ficou gravemente ferido quando uma bomba atingiu sua casa em Tel al-Karameh em 2014. Para o jovem, sons altos, especialmente de aviões, ainda despertam medo instantaneamente, e não conseguiu ainda ajuda para o trauma de que padece. “Não consigo descrever como me sentiria se pudesse livrar-me deste problema, recuperar-me totalmente, sentir-me igual às outras pessoas”, disse Mousa.
"É improvável que os sírios voltem ao país se não se reconciliarem com o seu trauma"
"Temos muito mais sucesso em obter ajuda para questões físicas como comida ou escolas. É o típico dano visível da guerra, mas o que eu queria mostrar é que há uma enorme quantidade de danos que não se vêem: o trauma mental", frisou Charles Lawley, chefe de comunicações e defesa da Syria Relief, e autor do relatório.
Diana Rayes, investigadora norte-americana especializada em saúde mental e que tem trabalhado com refugiados sírios, considerou que a pesquisa da Syria Relief não foi ampla o suficiente para se poderem tirar conclusões, mas enfatizou a necessidade de dar mais atenção ao assunto.
"Sabemos com certeza que houve impactos multigeracionais de SPT e traumas na população. Sabemos que isso afetará as crianças nascidas durante o conflito ”, sublinhou Diana Rayes.
Segundo a especialista, é essencial abordar aqui os temas saúde mental e de trauma, especialmente porque muitos sírios agora sentem que a guerra foi esquecida. Mais de 5,6 milhões de pessoas fugiram da Síria desde 2011, e 6,6 milhões foram deslocados internamente.
"Não acho que a sensação de ser esquecido melhore as coisas. Acho que isso vai ser uma questão para o futuro da Síria. É improvável que os sírios voltem ao país se não sentirem que se reconciliaram com seu trauma", frisou.