Mesmo num novo e rigoroso confinamento, às 6h30 da manhã, António continua a abrir a Pastelaria Milú, no centro de Lisboa. É a essa hora que saem os primeiros pães do dia, de fabrico próprio, que António, rodeado de escritórios, estava habituado a vender a uma freguesia quase fixa, em parte agora suspensa. Para contrapor, nas últimas semanas o proprietário viu chegar novos e inesperados fregueses.
“Hoje vieram aí três, dois patos e uma pata. Fui buscar o pãozinho ali, até molhei, para não ser seco, né? Uma açorda, vá. Mas chegou um cão, eles assustaram-se, fizeram um voo rasante e foram-se embora.”
Não são factos inéditos porque António já tinha dado por eles há quase um ano. “Na primeira vaga vinham cá. O vizinho aqui da esquina dava uma carcacinha”, conta António, referindo-se ao primeiro confinamento nacional, em março e abril de 2020. O vizinho da esquina é uma outra pastelaria, agora fechada, como quase todas. Quanto aos patos, “falta-lhes a comida, vêm cá à procura. E não fogem, vêm mesmo à sua beira.”
Uns metros à frente, Adelino, dono de um quiosque de jornais, confirma. “Trazia um balde de água para eles beberem e, se fosse preciso, passavam aqui o dia comigo.” Adelino continua a vender poucos jornais, mas vê mais gente na rua do que há um ano, o que faz com que os patos não fiquem tanto tempo. Já António prefere deixar a ‘açorda’ a uns metros do estabelecimento. Se lhes oferece alimento à porta, “depois é um caso sério para os tirar daqui”.