Sociedade

Mais de 40% das portuguesas em idade fértil não têm filhos

Inquérito à Fecundidade publicado esta quinta-feira pelo INE revela que a percentagem de portugueses sem filhos aumentou sete pontos desde 2013. Maioria das famílias não tem mais crianças porque não querem e não porque não podem

Ian Waldie/Getty Images

Entre 2013 e 2019, o número médio de filhos dos portugueses desceu de 1,03 para 0,86. O Inquérito à Fecundidade, divulgado esta quinta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e referente a 2019, conclui que neste período aumentou a percentagem da população em idade fértil que não tem filhos.

"Em 2019, 42,2% das mulheres dos 18 aos 49 anos e 53,9% dos homens dos 18 aos 54 anos não tinham filhos. Em 2013 aquelas percentagens eram bastante menores: 35,3% e 41,5%, respetivamente", aponta o INE. "Em 2019, 93,4% das mulheres e 97,6% dos homens do escalão etário mais jovem (dos 18 aos 29 anos) não tinham filhos e mais de metade (54,6%) dos homens dos 30 aos 39 anos encontravam-se na mesma situação."

O último Inquérito à Fecundidade tinha sido publicado em 2013 e os dados agora conhecidos permitem fazer uma leitura comparada, aponta a demógrafa Maria João Valente Rosa. “O inquérito responde a algumas questões que surgem em tempos como estes, de baixa fecundidade e natalidade. A população não tem um número mais elevado de filhos porque não pode ou porque não quer? De acordo com estes resultados, a resposta é porque não quer. O desejo de ter descendência numerosa não existe mesmo para a esmagadora maioria da população”, conclui a demógrafa e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Quer a fecundidade final esperada (o número médio de filhos que esperam ter) quer a fecundidade desejada (a que gostariam de ter se não tivessem nenhum tipo de constrangimento) ronda os dois filhos, “longe da ambição de descendência numerosa”, aponta Valente Rosa. Ainda assim, em comparação com 2013, os números são agora ligeiramente inferiores.

Quando foi feito o anterior Inquérito à Fecundidade, os dados foram recolhidos entre janeiro e abril de 2013, num período ainda abrangido pela crise económica, com graves indicadores de pobreza, desemprego e saldo migratório. Ainda assim, nessa altura, os portugueses apontaram uma fecundidade desejada e esperada mais alta do que desta vez.

Para o inquérito agora publicado, os dados foram recolhidos entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, num período pré-pandemia de covid-19, com uma situação económica mais favorável do que a vivida em 2013.

O número médio de filhos desejados foi estimado em 2,15 (2,31 em 2013), não havendo evidência de diferenças significativas entre homens e mulheres em 2013 e em 2019.

Adiar cinco anos o nascimento do primeiro filho

"A esmagadora maioria da população pensa ter no máximo dois filhos”, aponta Valente Rosa. “Poderia perguntar-se se a população está a desistir do projeto de parentalidade e não pensa sequer em ter um filho. Mas a maioria dos portugueses ainda tem na cabeça esse desejo de ter, pelo menos, um. Em 2019, só cerca de 8% das mulheres e 11% dos homens não queriam mesmo ter filhos, ainda que sejam números ligeiramente superiores aos observados em 2013.

Para as pessoas que não querem mesmo ter filhos - ou ter mais filhos do que já têm -, os principais motivos assinalados foram "a vontade própria e o facto de a maternidade ou paternidade não fazerem parte do seu projeto de vida", aponta o inquérito.

O adiamento do nascimento dos filhos é outra das questões abrangidas por este inquérito e uma parte "expressiva" das mulheres e dos homens com filhos (45,1% e 58,5%, respetivamente) tiveram o primeiro filho mais tarde do que desejavam, aponta o INE. "O adiamento foi de pelo menos cinco anos para uma parcela considerável de mulheres e de homens (36% e 47,7%)", lê-se nas conclusões. "As mulheres que tiveram o primeiro filho mais tarde do que desejavam foram as que mais apontaram como muito importantes para o adiamento os motivos relacionados com a estabilidade financeira e no emprego e as condições da habitação."

Maria João Valente Rosa realça que este adiamento do primeiro filho é "muito significativo", sobretudo sabendo que o período fértil da mulher é limitado. "Pode não tornar impossível ter o primeiro, mas menos provável vir a ter o segundo", lembra a demógrafa.