“Tirem daí essa gaja! Já chega!”. O grito que irrompe entre a multidão que protesta em frente à Assembleia da República para exigir mais apoios para as empresas de restauração e similares é de Nuno Duarte, mais conhecido por “Jel” e pelo projeto “Homens da Luta”. O humorista juntou esta quarta-feira à manifestação do movimento “Sobreviver a pão e água”, mas perdeu a paciência ao ver uma vereadora do PSD na câmara de Lisboa, Sofia Vala Rocha, subir ao palanque de uma iniciativa que se define como apartidária e apolítica.
A antiga candidata à distrital de Lisboa dos sociais-democratas apresentou-se como filha e neta de comerciantes, deixou críticas ao governo na gestão da pandemia (“o setor privado não pode pagar sozinho a crise da covid-19") e, sem surpresa, não poupou o seu opositor na autarquia, Fernando Medina, criticando-o por apoiar com 20 milhões de euros as empresas de restauração e comércio, “que empregam 100 mil pessoas”, quando “vai pagar 11 milhões de euros por uma WebSummit que este ano é totalmente online”.
“Vim à manifestação em solidariedade com este pessoal da restauração e da noite, e apercebi-me quem ela é, [porque] é relativamente conhecida no meio político. O discurso dela, cheio de soundbytes políticos, cheio de agenda, incomodou-me um bocado”, explicou Jel ao Expresso. “Quando ela saiu fui-lhe dizer isso, que o protesto foi organizado para ser apartidário e que achava mal ela estar presente”.
O discurso da autarca, um dos mais longos da tarde, obrigou mesmo Ljubomir Stanisic, o rosto mais mediático do movimento, a dar sinal para que lhe fosse cortada a palavra, que acabou ofuscada pela música “Eye of the tiger”. Questionado pelo Expresso sobre a presença da vereadora, Stanisic procurou rejeitar responsabilidades, apesar do nome da vereadora constar da lista de oradores do evento e de ter sido chamada ao palco pelos organizadores. “Acontece. Esta gente infiltra-se em todo lado”, explicou. Minutos antes, o chef de cozinha exultara quando uma empresária da restauração pediu a demissão do primeiro-ministro, António Costa. Momentos depois, cometeu uma gafe que rapidamente corrigiu: “No final do comício vamos fazer um minuto de silêncio. Do comício, não. Da manifestação”.
“JÁ NOS ESTÃO A OUVIR?”
Além de Stanisic e de Vala Rocha, passaram pelo palco do protesto outros nomes conhecidos, como o pasteleiro e ex-estrela de reality show Marco Costa e o DJ Miguel Rendeiro, além de vários empresários da restauração, da noite e dos eventos. Entre eles estava Alberto Cabral, gerente do grupo Andromeda, proprietário de espaços de diversão noturna em Vila Real, Espinho, Santa Maria da Feira, Macedo de Cavaleiros e Chaves. Apresentou-se em palco ao som de “Circo de feras”, dos Xutos & Pontapés, e com uma gaiola enfiada na cabeça para simbolizar o sufoco em que se encontra. “Estou há oito meses dentro de uma gaiola, sem hipótese de ganhar um euro que seja. Tenho 70 funcionários em casa e não há negócio que aguente tanto tempo sem faturar”, lamentou, anunciando que irá ficar em Lisboa “a fazer greve de fome”.
Entre muitas críticas à atuação do governo e à asfixia do setor, o movimento voltou a repetir a sua lista de exigências: apoios a fundo perdido para compensar os prejuízos, reposição dos horários de funcionamento, isenção da Taxa Social Única (TSU) até 30 de junho de 2021 e redução do IVA em 50% até dezembro do próximo ano, entre muitas outras. “São nove meses que já gritámos por ajuda e ninguém nos está a ouvir, senhor primeiro-ministro e senhores deputados. Agora já estão a ouvir? Quantas pessoas têm de perder o emprego até que nos oiçam?”, questionou Stanisic.
Segundo o último inquérito mensal da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), 47% das empresas do setor efetuou despedimentos desde o início da pandemia. Destas, 27% reduziram o quadro de pessoal entre 25% e 50%, e 14% reduziram-nos em mais de 50%. Mais de metade assume que terá “muitas dificuldades” em manter os seus negócios sem mais apoios do governo.