Há mais cansaço. Há mais saturação. Estão um pouco menos pacientes. Já passou quase uma semana desde que os portugueses repatriados da cidade chinesa de Wuhan iniciaram a quarentena. Isolados no hospital Pulido Valente, em Lisboa, estão a ser acompanhados por uma equipa de psicólogos, que os ouve e que garante “que não falta nada”.
“Nos primeiros dias foi importante para dizermos o que nos faltava. Tudo o que pedimos, foi-nos dado. Desde a liberdade de ir ao exterior, à possibilidade de encomendar comida de fora ou de ter uma espécie de ginásio aqui dentro”, explica Luís Estanislau, um dos 18 portugueses repatriados de Wuhan, onde trabalhava como preparador físico do Hubei Chufeng Heli, um clube da segunda liga chinesa.
A primeira vez que falou com o Expresso, poucas horas após o começo da quarentena, ainda não sabia bem onde estava ou quais as rotinas. E agora? “A verdade é que não há muito a dizer porque não se passa grande coisa”. “De manhã temos a presença dos profissionais de saúde, à tarde cada um ocupa o tempo como entender: jogos de tabuleiro, ir ao ginásio, ver filmes, ler os jornais do dia, alguns conseguem trabalhar.” O grupo tem o refeitório como zona comum, onde se encontra e convive. No entanto, as refeições são feitas em cada um dos quartos. “É mais seguro, pois quando estamos juntos não podemos tirar as máscaras da cara”, explica.
O grupo “está calmo e unido”. Estão a conhecer-se.
Estão agora a meio dos 14 dias de quarentena aconselhados pelas autoridades de saúde. “À medida que o tempo passa, os níveis de paciência são menos, há alguma saturação e cansaço”, conta Luís. E é também para os ajudar a lidar com isso que recebem a visita diária da equipa de psicólogos. “É sobretudo para que não nos falte nada. Acho que é para que o grupo passe o melhor tempo possível aqui”, diz.
Ao Expresso, a psicóloga clínica Sílvia Freitas nota a importância de as pessoas serem acompanhadas por uma equipa de saúde mental num processo destes. “Muitas vezes o desconhecimento da situação é que é o causador das sensações de pânico e, através do acompanhamento psicológico, as emoções são controláveis. O acompanhamento pode ser crucial e ajudar a que se consiga gerir a incerteza, que por sua vez causa a ansiedade”, diz, acrescentando que, no entanto, tudo depende da personalidade de cada pessoa. “Há quem lide melhor, quem lide pior.”
Sílvia Freitas sublinha ainda a importância de clarificar qualquer dúvida, sobretudo em casos como o do coronavírus, que por ser um vírus novo, há informação excessiva e contraditória e pode prejudicar e aumentar os níveis de ansiedade de quem está isolado. “Catorze dias é um período considerável. Quanto mais tempo estão sozinhos, mais tempo têm para pensar, gerar angústia e dúvidas. A sensação de espera por notícias também é causadora de mal-estar e ansiedade”, explica. É então “crucial” ter alguém que tranquilize e transmita “as informações mais adequadas”.
No período após a quarentena, admite Sílvia Freitas, é possível que as pessoas fiquem mais controladoras. “Há uma tendência para aumentar o estado obsessivo e neurótico porque estamos a lidar com medos: do desconhecido, de ficar doente. Há mais tendência para pormenorizar, ficarmos mais minuciosos e recorrermos a mais medidas preventivas.”
No mais recente comunicado, a Direção-Geral da Saúde sublinha que os portugueses repatriados continuam no Hospital Pulido Valente, em Lisboa. “Depois dos testes realizados a 3 de fevereiro de 2020, no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, cujos resultados foram todos negativos, os cidadãos continuam a ser acompanhados diariamente por uma equipa da sanidade internacional, garantindo a vigilância ativa.” Desde então, não houve qualquer alteração nos seus estados de saúde.
O grupo deve sair do isolamento no final da próxima semana.